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A não-revolução de Outubro

Numa crónica na Visão de 9 de Março, José Carlos de Vasconcelos elogia a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, pelo seu papel na “reconciliação dos cidadãos” com a democracia. Marcelo tomou posse há um ano, numa altura em que “Os portugueses estavam fartos de Cavaco Silva, do governo anterior, de uma impiedosa “austeridade””. Antecipando a previsível objecção, Vasconcelos justifica o resultado eleitoral da PAF em 4 de Outubro de 2015 com o “medo” que a coligação de direita “conseguiu inocular nos cidadãos” ao defender que uma eventual mudança de políticas conduziria necessariamente o país a uma nova derrocada.

 

O argumento é válido (após a contagem dos votos das legislativas, o escritor Rui Zink afirmou: “Agora a instalação do medo está completa”), mas não explica tudo. De resto, a esquerda portuguesa tem por vezes dificuldades em admitir a possibilidade das pessoas votarem no PSD e no CDS não por medo, ignorância ou influência dos caciques e da Igreja Católica, mas simplesmente por acharem que as ideias desses partidos estão certas. No caso das eleições de Outubro de 2015, é necessário ter em conta as circunstâncias da época. Certa ou errada, a ideia de que o PS faliu o país em 2011 generalizou-se e a prisão de José Sócrates em nada veio ajudar o partido do antigo primeiro-ministro. Além disso, a campanha eleitoral correu muito mal a António Costa, entre os cartazes absurdos, o “apoio” de Carlos do Carmo ou a estratégia errada de imitar Pedro Passos Coelho e mostrar Costa como um homem de família, enquanto a máquina da PAF exibia profissionalismo e os media, após sentirem uma grande simpatia pelo líder socialista, passaram a apresentá-lo como um coitadinho.

 

É igualmente possível que o cliché segundo o qual “as eleições ganham-se ao centro” tenha levado Costa a adoptar uma pose moderada que o fez assemelhar-se a Passos e desagradar aos votantes mais indignados com a austeridade, os quais fizeram crescer o BE e a CDU. A possibilidade destes partidos chegarem ao Governo pela mão do PS beneficiou a PAF, que agitou esse papão inúmeras vezes para atrair os cidadãos mais receosos. Curiosamente, quando a Geringonça começou a tornar-se real, figuras do PSD e do CDS aludiram a inúmeros votantes do PS que se sentiriam traídos pela opção pós-eleitoral de António Costa. De facto, basta consultar qualquer sondagem actual para observar como o eleitorado socialista está irritado com a viragem à esquerda do partido. Tudo isto, no entanto, não passa de palpites. Para saber o que influenciou os resultados das legislativas, seria preciso perguntar a cada eleitor em quem votou (ou não) e porquê ou, numa ideia mais prática, promover estudos académicos como os realizados pelo ICS a propósito de eleições anteriores.

 

A especulação em torno das últimas legislativas vem recordar o velho debate sobre se os portugueses são maioritariamente de esquerda ou direita. Esta última sente-se sempre rodeada de comunas. Num post recente, um dos autores de O Insurgente, Carlos Guimarães Pinto, considerou Portugal a nação mais esquerdista da Europa, e portanto o país mais à esquerda do mundo. Certamente, Cavaco Silva pensou nisso muitas vezes durante os seus 20 anos no poder. A realidade, porém, é mais complexa. Acho que António Araújo, também a propósito da vitória obtida por Passos Coelho após aplicar um “duríssimo programa de austeridade”, chega perto do alvo ao mencionar “uma estrutural aversão à mudança e ao risco” do “povo” lusitano, receoso de aventuras perigosas para o seu precário “bem-estar material” (Araújo, António, “Da Direita à Esquerda”, Porto Salvo, Saída de Emergência, 2016, pp. 236-237). Apesar das diferenças sociais, culturais e económicas que dividem os habitantes de Portugal, muitos deles pretenderão apenas levar uma vida razoável e sossegada, sem serem chateados pelos políticos. Isso explica o falhanço da revolução socialista tentada no PREC, tal como a dimensão reduzida da extrema-direita, tão discreta que o deputado do PSD Carlos Abreu Amorim nunca deu por ela.