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Desumidificador

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Risota tuga

A seguinte lista dos melhores programas televisivos de humor portugueses que vi (talk-shows com alguns momentos humorísticos não estão incluídos), ordenada cronologicamente, não deve, como o tema indica, ser levada demasiado a sério. Outros programas de Herman José poderiam integrar o top 10, mas procurei garantir a pluralidade das escolhas. Mesmo assim, o rol apresenta-se pouco diversificado ao nível dos autores e dos canais onde as comédias foram acolhidas. Apesar do humor português estar longe de se esgotar nas produções para televisão, esta tem recorrido mais ao riso fácil e enlatado que à criatividade. 

 

O Tal Canal (RTP, 1983-1984)

 

O conceito: A programação de um canal de televisão fictício apresenta vários dos géneros mais comuns, como anúncios, informação, telenovela, comentário desportivo ou programas para crianças e jovens.

A prática: Já referi noutras ocasiões o arrojo e a importância histórica de O Tal Canal, mas quero destacar a versatilidade de Herman José. Além de conceber a maioria dos programas por si protagonizados, o luso-alemão toca, canta, imita, apresenta, representa, entrevista, faz stand-up, dirige actores, escreve argumentos e constrói personagens que ganham uma vida independente do seu criador. Alguns humoristas portugueses conseguem fazer bem uma dessas actividades, mas nunca todas ao mesmo tempo. Como disse a sua colega Ana Bola, Herman é um daqueles talentos que só aparecem de cem em cem anos. Um verdadeiro Cristiano Ronaldo, diria eu se o crítico Joel Neto não tivesse já definido Herman como o Futre do humor.

 

Crime na Pensão Estrelinha (RTP, 1990-1991)

 

O conceito: Enquanto ocorre um misterioso assassinato na Pensão Estrelinha, os personagens vêem na televisão sketches e canções adaptados à actualidade do final de 1990.

A prática: Quase duas horas e meia de humor original para exibir na noite da passagem de ano parecia uma empreitada impossível de cumprir. Todavia, Herman José conseguiu apresentar com brilhantismo a sua “tese de mestrado”, apoiado em material cómico de primeira água, na realização de Fernando Ávila e no trabalho de um belo naipe de actores. O humorista reabilita aqui uma ferramenta por vezes desvalorizada da comédia, o trocadilho (um ano depois, faria o mesmo com a anedota, em Hermanias Especial Fim de Ano). O Crime é considerado por muitos fãs o auge da produção hermânica, mas a melhor prova de qualidade está em continuar ainda hoje, apesar dos aspectos mais datados, a fazer rir às gargalhadas.

 

 

 

Contra-Informação (RTP, 1996-2010)

 

O conceito: Bonecos constituindo caricaturas em 3D de políticos e outras celebridades contracenam num “telejornal” satírico.

A prática: Na adaptação portuguesa de um formato popular em países como França e Reino Unido, o Contra-Informação viveu da competência da equipa da produtora Mandala e da irreverência de um grupo pequeno e coeso de argumentistas (José de Pina, Rui Cardoso Martins e Filipe Homem Fonseca, entre outros). Ao transpor o espírito do cartoon político para o pequeno ecrã, o programa gerou efeitos curiosos, como o aparecimento de bonecos com notoriedade superior à dos respectivos modelos ou o súbito fair-play dos políticos, que passaram a gostar de manifestar o seu apreço pela sátira. Depois de cerca de 10 anos no topo, o Contra foi perdendo influência e visibilidade, acabando o fim por surgir como natural. A SIC Notícias lançou em 2013 uma nova versão do conceito, o falhado Contra Poder.

 

 

 

Herman Enciclopédia (RTP, 1996-1997)

 

O conceito: Cada um dos 26 episódios possui um tema próprio, desenvolvido através de personagens fixas e rábulas específicas.

A prática: Enquanto a SIC liderava as audiências com coisas das quais hoje ninguém se lembra, o regresso de Herman aos sketches obtinha valores modestos de share, mas, de repente, o país inteiro estava a imitar os bordões do Diácono Remédios e dos restantes personagens do programa que confirmou a qualidade e imaginação dos argumentistas das Produções Fictícias. Feito quando o dinheiro para actores, cenários, adereços e figurantes abundava na televisão portuguesa, Herman Enciclopédia marcou uma época.

 

Paraíso Filmes (RTP, 2001-2002)

 

O conceito: Uma loja de acessórios para casa de banho é também o estúdio de uma produtora que cria novas versões de clássicos do cinema americano.

A prática: Uma dupla imbatível de actores, António Feio e José Pedro Gomes, muita cinefilia e o ridículo dos “filmes” saídos da Trafaria juntaram-se numa série de culto. Não se tratou propriamente de um sucesso de massas, devido ao adiantado da hora a que a RTP exibiu Paraíso Filmes e à ausência de edição da série em DVD, por questões relacionadas com os direitos de autor das canções parodiadas. Apesar disso, nenhuma sitcom expressou tão bem o espírito “tuga” de desenrascanço e chico-espertismo.

 

Gato Fedorento (SIC Radical/RTP, 2004-2006)

 

O conceito: Sketches intemporais e dominados pelo nonsense, com personagens que raramente surgem mais de uma vez.

A prática: Apesar das experiências de Herman, o nonsense puro e duro raramente foi utilizado no humor televisivo em Portugal até os desconhecidos Miguel Góis, Tiago Dores, Ricardo Araújo Pereira e Zé Diogo Quintela se tornarem a versão lusa dos Monty Python. A penúria de meios das séries Fonseca, Meireles, Barbosa e Lopes da Silva (sobretudo das duas primeiras) era em si mesma ridícula, provando a importância do texto para o sucesso de uma rábula. Acredito que os Gato Fedorento começaram a banalizar-se quando direccionaram o foco do seu humor para o dia-a-dia noticioso.

 

Os Contemporâneos (RTP, 2008-2009)

 

O conceito: Humor inspirado na actualidade política combinado com propostas mais experimentais.

A prática: Bruno Nogueira assumiu o protagonismo de “líder” de um elenco que incluiu também nomes tão respeitáveis como os de Nuno Lopes (na pele do “Chato”), Maria Rueff, Manuel Marques, Dinarte Branco, Carla Vasconcelos, Gonçalo Waddington ou o estreante Eduardo Madeira, mas Os Contemporâneos triunfou pelo valor do colectivo por trás de um projecto aberto quer à sátira mais convencional quer às ideias mais arrojadas. As entrevistas de Nogueira a populares serviram para vencer uma dificuldade que programas do mesmo tipo como Estado de Graça e Donos Disto Tudo enfrentariam: a ligação entre o sketch A e o sketch B.

 

Último a Sair (RTP, 2011)

 

O conceito: Vários famosos (e uma gorda) participam num reality-show repartido por galas semanais de nomeações e expulsões.

A prática: Com as devidas distâncias, Último a Sair está para Bruno Nogueira como O Tal Canal para Herman José, ao caricaturar habilmente um género televisivo na moda, cujas convenções foram imitadas até mesmo na duração exagerada das galas. A disponibilidade de figuras como Roberto Leal e Luciana Abreu para gozarem com as suas imagens públicas favoreceu o brilho do produto final. No caso das nomeações, a necessidade de ultrapassar o carácter repetitivo do formato original levou os argumentistas (Nogueira, João Quadros e Frederico Pombares) a esforços prodigiosos de imaginação.

 

 

 

Melhor do Que Falecer (TVI, 2014)

 

O conceito: Um programa diário de entrevistas a personagens insólitas e rábulas baseadas nas últimas notícias.

A prática: Agora a solo, Ricardo Araújo Pereira viu-se acompanhado pelo experiente Miguel Guilherme num formato em que RAP adaptou vários textos já interpretados na sua rubrica radiofónica Mixórdia de Temáticas, além de responder depressa aos estímulos da actualidade. No dia seguinte ao da final da Liga Europa em Turim, à qual assistiu ao vivo, Pereira já estava a gravar e exibir um quadro onde reafirmava a sua fé benfiquista. Apesar do nível elevado, Melhor do Que Falecer não obteve as audiências esperadas pela TVI e acabou ao fim de apenas dois meses, num exemplo das dificuldades presentemente atravessadas pelo humor nos canais generalistas.

 

Very Typical (SIC Radical, 2015-2017)

 

O conceito: Uma série de listas, ordenadas da décima para a primeira posição, do “pior de Portugal”, dividido por temas (sexo, humor, redes sociais, homens, mulheres, etc.).

A prática: No sector do humor negro, tão do agrado de pessoas tolerantes e pouco susceptíveis como são os portugueses, Rui Sinel de Cordes destacou-se como o comediante mais eficaz. Very Typical constitui a melhor incursão televisiva de Sinel de Cordes, em parte devido ao dinamismo da montagem e realização, cujo ritmo mantém a atenção do espectador e reforça o impacto das piadas saudavelmente brutas e impiedosas do humorista. Qual Ljubomir Stanisic do humor, Sinel mostra a porcaria e desorganização dessa cozinha que é Portugal. A segunda temporada da série foi mais curta que a primeira, não por motivo de censura mas porque a imaginação para tops de Sinel e dos restantes argumentistas esgotou-se.

 

 

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