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Desumidificador

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Tentações da direita

A vitória de Rui Rio nas eleições internas do PSD marca a viragem definitiva da página da austeridade, na medida em que representa o fracasso da corrente mais à direita do partido, pouco ou nada entusiasmada com Santana Lopes, mas que apoiou o ex-presidente do Sporting como último recurso para travar Rio e o “grupo maravilha” à volta do portuense. Os liberais-conservadores vêem chegar a hora de submergir e esperar por uma conjuntura mais favorável para voltar à superfície. Entretanto, prossegue o combate cultural promovido por numerosos comentadores da área liberal na imprensa, rádio e televisão, em blogues como BlasfémiasO Insurgente e, obviamente, nas redes sociais, além de actividades menos influentes ligadas à publicação de livros ou ao trabalho académico na Universidade Católica. O tom geral do discurso deste colectivo é, no entanto, crescentemente pós-revolucionário, quando, após o afastamento de Pedro Passos Coelho, lamentado pelos liberais como se fosse impossível surgir outro líder assim nas próximas décadas, pouco resta além de defender as “conquistas da Revolução” ainda não revertidas (os CTT privados, a legislação laboral) e tentar perceber porque é que o programa anti-estatizante só é aceite em Portugal num cenário de colapso económico. Neste contexto, têm surgido indícios de várias tentações às quais o universo do liberal-comentarismo parece disponível a ceder caso a situação política não se altere nos próximos tempos.

 

Tentação gonçalvista: O desdém de Alberto Gonçalves pelo país onde nasceu tem alastrado a outros colunistas do Observador e da restante galáxia da direita, através de lamentações acerca do povo português, viciado no colinho do Estado e incapaz de se fazer à vida e gozar as delícias do empreendedorismo. No fundo, para quê pregar no deserto, quando parece impossível converter um rebanho habituado a comer a erva socialista? A tendência para a generalização, curiosa em seguidores de uma filosofia individualista, associa-se às queixas pela excessiva inclinação à esquerda da comunicação social e pela atitude servil desta para com o poder, denunciadas em espaços de opinião espalhados por todos os media.

 

Tentação populista: Os argumentos racionais mostram-se supérfluos quando é tão politicamente rentável explorar a ideia de que há gente a viver à nossa custa. Por exemplo, não resulta defender que a RTP deve ser privatizada, mas dizer que a estação pública é gerida por tipos que ajudam os amigos dando-lhes trabalho numas séries de meia-tigela que ninguém vê financiadas com o nosso dinheiro já atrai mais atenção. Propor a atribuição pelo Estado de cheques-ensino para fomentar a liberdade de escolha dos pais não tem o mesmo impacto que descrever os professores como incompetentes dotados de privilégios injustificados. E de que serve gastar tempo a definir uma “alternativa”, quando podemos aproveitar o vento favorável para criar escândalos e espalhar a ideia de que todos os políticos são parasitas corruptos? Indignação é a solução.

 

Tentação trumpista: No início do ano passado, o liberal-comentarismo encarava o novo presidente americano com expectativa benévola. Apesar das suas tendências proteccionistas, Donald Trump era tão politicamente incorrecto e irritava tanto a esquerda que só podia ser boa pessoa. Da mesma forma, as entrevistas dadas por André Ventura na qualidade de candidato à Câmara de Loures tinham o mérito de recusar a atitude esquerdista de fingir hipocritamente que ainda existem racismo, machismo e homofobia, com o objectivo de criar divisões artificiais facilitadoras do controlo totalitário sobre a população (a sério, houve mesmo quem acreditasse nisto). Entretanto, a curiosidade pela Administração Trump deu lugar a um silêncio quase total perante as sucessivas asneiras, quebrado apenas pelos cronistas mais alucinados, enquanto o ocaso de Ventura acalmou a tentação de O Diabo. No entanto, ficou a pista de que algo de assustador se passa na direita portuguesa.

 

Tentação extraparlamentar: Muitos artigos de opinião recentes lamentam não só o que existe mas sobretudo o que não existe, em particular uma força partidária disposta a promover a “libertação da sociedade civil” e assumir sem rodeios a defesa de uma política patriótica e de direita. Para responder a este vazio, têm sido anunciados alguns projectos (Iniciativa Liberal, Partido Libertário) de constituição de novos partidos adeptos do favorecimento da iniciativa privada. De facto, a IL encontra-se já legalizada, preparando agora a sua "agenda" política. A eventual aproximação do PSD ao PS poderia dar um empurrão a estas organizações, mas basta pensar nos casos de PDC, MIRN e PND para ter muitas dúvidas quanto à possibilidade de alternativas conservadoras aos partidos de centro-direita presentes em S. Bento desde 1975.

 

 

 

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