Alf: Continua divertido, apesar do declínio à medida que se aproxima do final.
Um Anjo na Terra (Highway to Heaven): O excesso de moralismo compromete o potencial da ideia de ter Deus como patrão. Curiosamente, a certa altura Michael Landon fez a série dar alguns passos nos terrenos da política.
Os Anjos de Charlie (Charlie’s Angels): Uma fantasia masculina disfarçada de “empoderamento” das mulheres, tão ligeira que se torna intragável.
O Barco do Amor (The Love Boat): Um mundo alternativo onde tudo é fofinho (quem nunca desejou ir para lá?). O navio acolheu um longo desfile de atores que eram ou viriam a ser estrelas do cinema e da televisão.
Chefe, Mas Pouco (Who’s The Boss?): Possui algum interesse, se o espetador tiver paciência suficiente para ver Tony e Angela a não namorarem até à última temporada.
Conta-me como Foi: Não há nada de propriamente errado com esta série, mas ela está impregnada de uma candura que dificulta a nossa identificação com as personagens.
Dallas: Já foi aqui abordada num texto próprio. Acrescente-se que o último episódio é só para fãs hardcore, mas quem mais ainda veria a série após 14 temporadas?
Duarte e Companhia: Por mais papéis que faça, para mim Rui Mendes será sempre Duarte, apesar de eu nem ser um dos maiores fãs do misto de nonsense e desenrascanço da série de Rogério Ceitil.
Uma Família às Direitas (All in The Family): Muitos americanos riam-se de Archie Bunker, a melhor personagem da história das sitcoms, mas muitos outros partilhavam o desconforto de Bunker com as mudanças em curso nos anos 70.
Hermanias: Um formato suficientemente solto e desregulado para poder ser tudo ou nada. Com os textos de Herman José e Miguel Esteves Cardoso, acompanhados por uma dose saudável de loucura e 12 canções (“todas boas”) escritas por Carlos Paião, foi tudo.
Os Homens da Segurança: O trabalho de Nicolau Breyner como ator e realizador é um dos escassos aspetos valiosos de uma série feita quando o monopólio da RTP garantia todo o tempo do mundo.
Humor de Perdição: Episódios demasiado longos, algumas personagens a mais e canções do Estebes sem grande “energia”. Apesar disto tudo, é Herman vintage.
O Justiceiro (Knight Rider): O KITT é tão fixe que lhe perdoamos por transportar o canastrão do David Hasselhoff.
MacGyver: Sim, o “estrangeiro” onde muitas das aventuras do nosso herói acontecem parece-se sempre com a América do Norte. Mas, porra, é o MacGyver.
Norte e Sul (North and South): Um épico histórico sobre a Guerra da Secessão daqueles que já não se fazem. A cena que justifica a ausência de Patrick Swayze na (dispensável) última temporada é um dos maiores insultos de sempre à inteligência do espetador.
Polícias: Trata-se de uma das poucas séries de Francisco Moita Flores que resistiram à passagem do tempo.
Sheiks com Cobertura: Um programa na transição do preto e branco para a cor que combinou sketches escritos por Artur Semedo com a música dos Sheiks e de vários convidados. Vale sobretudo como curiosidade histórica.
Soldados da Fortuna (The A-Team): Enfim, não é Shakespeare, mas entretém.
Os Três Duques (The Dukes of Hazzard): Quem vê um episódio, vê todos. Para gostar desta série como o primeiro-ministro gosta, é preciso adorar automóveis e cenas de perseguições.
Walker, o Ranger do Texas (Walker, Texas Ranger): Centenas de pontapés dados por Chuck Norris em bandidos geralmente idiotas.
O programa da Rádio Observador E o Resto É História, disponível em podcast nos meios do jornal digital, tem sido desde 2019 um formato importante na divulgação do conhecimento historiográfico. Os autores do espaço, o historiador Rui Ramos e o jornalista João Miguel Tavares, procuram transmitir uma perspetiva viva, aliciante e polémica do passado, abordando numa linguagem acessível temas geográfica e cronologicamente variados, embora a especialização de Ramos conduza a um maior destaque conferido à Europa e ao período contemporâneo. Entre os inúmeros eventos da história portuguesa referidos no programa, o 25 de Abril, tal como os seus antecedentes e consequências, constitui um alvo privilegiado da atenção da dupla radiofónica. Ao longo dos anos, houve momentos nos quais Ramos afirmou que não existem provas do envolvimento do PCP no “caso República”, mas toda a gente sabe que foram os comunistas, ou onde o biógrafo de D. Carlos conseguiu tornar o 25 de Novembro ainda mais confuso do que realmente foi. Para lá dos estímulos da atualidade, as efemérides são a origem habitual da seleção dos temas históricos recordados no estúdio da Rádio Observador, pelo que o cinquentenário da Revolução dos Cravos já influenciou vários dos episódios de E o Resto É História emitidos em 2024. Depois de programas sobre o discurso de 27 de julho de 1974 no qual o então Presidente da República António de Spínola reconheceu o direito à autodeterminação das colónias portuguesas e acerca da revolta ocorrida em 7 de setembro desse ano na cidade de Lourenço Marques, o episódio emitido no passado dia 25 de setembro focou as razões da demissão de Spínola após poucos meses na chefia do Estado.
O vocabulário utilizado por Rui Ramos no relato dos acontecimentos de 1974 não é neutro e assético, como de resto não seria o discurso de qualquer historiador. Por exemplo, Ramos evita ao máximo pronunciar a palavra “colónias” e o conflito de 1961-1974 é referido simplesmente como “a guerra”, na qual os adversários das Forças Armadas portuguesas eram “movimentos marxistas” ou “partidos independentistas armados”. Tal como foi feita, a descolonização teria sido uma “entrega” dos territórios ultramarinos a essas organizações pró-soviéticas, realizada pela “clique” dos membros do MFA, ou seja, a “esquerda militar”. Uma vez definido o léxico, Ramos apresenta uma história muito consistente dos eventos de Agosto e Setembro de 1974 perante um espantado João Miguel Tavares. Enumeremos apenas alguns dos factos e interpretações apontados pelo autor do sexto volume da História de Portugal dirigida pelo seu mestre José Mattoso.
Assim, António de Spínola era contra os desvios da promessa de democracia feita aos portugueses que estavam a ser cometidos pelo II Governo Provisório (como a criação do salário mínimo), pelo que propôs o adiamento da eleição da Assembleia Constituinte e a escrita à pressa de uma Constituição provisória sujeita a referendo. Poderosos empresários apoiavam Spínola, pelo simples motivo de que frequentavam os mesmos meios e partilhavam o sonho de uma “sociedade democrática ocidental”. PPD e CDS demarcaram-se do general devido a algumas dúvidas sobre o projeto presidencialista de Spínola, que buscou então a ajuda de entidades “fora do Governo”, como o Partido Liberal e o Partido do Progresso, para promover uma manifestação pacífica a seu favor. Os oficiais do MFA eram um “grupo relativamente pequeno” comparado com o dos spinolistas, formado por “muita gente” que via o Presidente como “o pai deles”, apesar de Spínola não controlar uma única unidade da Região Militar de Lisboa no 28 de Setembro. Durante esse dia, barricadas erguidas nas entradas de Lisboa devido à “paranoia” do PCP e da “esquerda militar” impediram a manifestação da “maioria silenciosa” (preparada aliás de forma “bastante profissional”), ocorreram em Belém umas reuniões com gente nervosa, yada, yada, yada, e Spínola demitiu-se. Poderia, no entanto, ter continuado na presidência se assim o desejasse, mas anteviu sabiamente o rápido desgaste político dos seus adversários. O homem do monóculo quisera apenas uma manifestação demonstrativa do seu prestígio de “chefe popular”, embora tivesse preparado um discurso justificativo da eventual declaração do estado de sítio. Havia nessa época muitas pessoas nas ruas de Lisboa, metidas lá pelo PCP, enquanto no país anti-comunista tudo era espontâneo. Pelo meio, o relevante grupo de socialistas próximos do PCP foi derrotado no primeiro congresso do PS porque não dispunha de uma força interna semelhante à da fação comunista do PPD. O partido de Álvaro Cunhal não era “distraído” ao ponto de achar que teria muitos votos nas futuras eleições, mas avançou no “endoutrinamento” dos militares para instaurar um “regime de intimidação” e fazer os portugueses “pensarem duas vezes” antes de falar. Misteriosamente, isso não impediria as manifestações do Verão de 1975, quando se verificou uma revolta contra a “esquerda militar” na qual participou Melo Antunes, um dos protagonistas da “esquerda militar” no Verão de 1974. Entretanto, Spínola, que apesar de ser um conservador tinha ideias “muito parecidas com as do Partido Socialista”, mantinha a iniciativa política, com a esquerda “sempre em reação” aos passos do general, cujo único erro fora não acreditar que o “totalitarismo” para o qual alertara se podia realmente concretizar. As derrotas sofridas pelo De Gaulle português em 1974 não o impediriam de somar novas derrotas em 1975.
A narrativa de Rui Ramos é bastante cinematográfica, fazendo lembrar um filme dos irmãos Coen, Destruir Depois de Ler. De facto, trata-se de uma História onde toda a gente é idiota. Isto já não é “outra opinião”, mas sim desinformação. Uma desonestidade intelectual tão pueril e descarada, através da qual são omitidos ou deturpados quaisquer factos que ponham em causa a verdade indiscutível de que os comunas malvados foram responsáveis por tudo, exige uma intervenção enérgica por parte da administração do Observador… da qual Rui Ramos é membro. Pois, é verdade. De qualquer maneira, nos tempos que correm, nenhum historiador de esquerda, centro ou direita “fofinha” vai gastar tempo a ouvir o programa de Ramos e Tavares, em mais um exemplo da crescente fragmentação da nossa sociedade. Repare-se que a Revolução, evento plural por natureza, durante o qual o caos para uns foi o paraíso para outros, originou memórias muito diferentes e, obviamente, análises historiográficas com perspetivas diversas. Existia, contudo, um espaço comum onde essas visões opostas podiam cruzar-se e contradizer-se, através de polémicas propícias a um melhor conhecimento da complexidade do período revolucionário. Atualmente, corremos o risco de não só a memória, mas também a historiografia do 25 de Abril ficar presa em bolhas nas quais se produzem versões simplistas que não coincidem entre si nem nos factos mais básicos. Ao contrário do que ingenuamente se acreditava, o distanciamento temporal não traz avaliações mais serenas e informadas dos eventos do passado, mas sim a possibilidade de adaptar as diferentes narrativas aos interesses políticos do presente e remeter elementos dissonantes para as profundezas do esquecimento. Claro que ninguém pretende limitar a liberdade de Rui Ramos ou qualquer outro investigador para dizer o que lhe apeteça. Não comecem já a formar a fila para mártires. O problema está na escassez de debate, contraditório e diversidade de pontos de vista, sem os quais os discursos mais absurdos tornam-se verosímeis por interessarem à nossa tribo.
P.S. Importa esclarecer que, ao nível da historiografia, Rui Ramos joga na Champions enquanto eu me mantenho nos distritais (que até têm o seu interesse). É sempre constrangedor, no entanto, quando os nossos heróis da juventude se transformam em caricaturas de si próprios.
Podia Ter Esperado por Agosto, uma comédia filmada durante o Inverno passado no Soajo (Arcos de Valdevez) e que já se encontra nos cinemas da Nos, com disponibilização futura na plataforma de streaming da SIC, ficará na memória do povo português simplesmente como O Filme do César Mourão. De facto, o humorista escreveu, produziu, realizou e protagonizou uma longa-metragem na qual o seu personagem, morador numa aldeia minhota, sofre com a ausência em Lisboa da amada (Júlia Palha) à qual nunca se declarou. No entanto, o seu melhor amigo (Kevin Dias), especialista em ideias malucas, engendra um plano para trazer a lisboeta ao Norte meses antes das habituais férias de Verão, com consequências imprevisíveis. Bem, imprevisíveis é como quem diz, porque o filme, sem pretender inventar a roda, recorre às convenções das comédias românticas, como o rapaz que faz por amor uma grande asneira, deixando furiosa uma rapariga pela qual é mais tarde perdoado (a ordem dos géneros é sempre esta), ou os amigos dos protagonistas que também se tornam um casal, só porque sim.
Fascinado pelo Soajo, César Mourão terá escolhido o cenário do filme antes de delinear em pormenor a história, e isso nota-se através das sucessivas imagens captadas por drone que mostram a aldeia e incentivam o turismo sem particular utilidade para a narrativa. O ambiente rural propicia o aparecimento de bonecos bem conseguidos, como a bisbilhoteira de Carla Vasconcelos, o alcoólico de Pedro Lacerda ou o agente funerário de Dinarte Branco. No entanto, o tom da obra, entre absurdo, romance e reflexões forçadas sobre a família, nunca parece ser o adequado. Tal como o “jovem” que interpreta, Mourão não sabe bem o que fazer depois de Palha ser atraída à velha povoação e o filme revela dificuldades em avançar rumo ao desenlace. E quando chega o final, não sabemos exatamente se aquilo que vemos é criativo ou apenas tolo e preguiçoso.
Involuntariamente, Podia Ter Esperado por Agosto faz lembrar o inesperado êxito de 1989 Fim-de-Semana com o Morto. Para lá do humor negro e da concentração do essencial da história em poucos dias, ambos os filmes possuem premissas tão irrealistas e disparatadas que se tornam interessantes, mas depois mostram-se demasiado longos para as possibilidades das suas ideias e apresentam um balanço final insatisfatório. Neste caso, é injusto dizer que César Mourão fez o filme às três pancadas, como afirma Luís Miguel Oliveira numa crítica bastante ácida, mas, entre a parvoíce dos adolescentes tardios e a respeitabilidade da família e do matrimónio, a sua estreia como realizador de cinema fica sempre a meio caminho. Uma referência/homenagem do filme ao sketch dos caixões Vilaças (“que são caros como o caraças”), criado por Herman José em Hermanias, realça que o espetador ri muito mais com os escassos minutos dessa rábula que durante as quase duas horas da fita de Mourão.
Moral da história: Visite o Minho e evite ir a cemitérios.
Nota: 4/10.
P.S. Raquel Costa (A Gaja) considera pouco credível o par romântico formado por César Mourão e Júlia Palha, tendo em conta que ele é 20 anos mais velho do que ela na vida real. Talvez, mas a persona cómica de Mourão não é a de um quarentão que se comporta como um puto? De qualquer maneira, a diferença de idades obtém maior aceitação social se o elemento mais idoso do casal for do sexo masculino. Uma mulher de 45 anos ligada a um rapaz de 25, fazendo lembrar os Macron, seria considerada verdadeiramente bizarra.
Quando eu era miúdo, as ruas de localidades como Odivelas, Pontinha e Olival Basto constituíam autênticos museus ao ar livre. Graffitis do tempo da Revolução e dos primeiros governos constitucionais eram legíveis em numerosas paredes, sem grande qualidade gráfica (não se fala aqui exatamente de arte urbana) mas com mensagens veementes a favor ou contra partidos e personalidades dessa fase histórica. Os “viva”, “vota” e “rua” chamavam a atenção porque já pertenciam a outra época, dando a entender que o hábito de fazer pichagens políticas estagnara por volta de 1985, como se uma ordem de Cavaco Silva tivesse reservado o espaço urbano para tags, desenhos obscenos e declarações de amor. Na década de 90, a própria ideia de alguém se interessar pela política ao ponto de escrever numa parede a sua opinião parecia absurda. Entretanto, a propaganda das campanhas eleitorais sofria alterações como o progressivo desaparecimento dos autocolantes e dos pequenos cartazes afixados em postes ou paredes, utilizados apenas pelos partidos com menos recursos, até porque uma maior consciência ecológica reforçara a preocupação com a limpeza das ruas. A comunicação política passou a centrar-se em outdoors removíveis colocados em pontos estratégicos, sobretudo nas agora numerosas rotundas. No século XXI, a expansão das redes sociais pareceu transformar a Internet na arena por excelência do combate entre diferentes projetos ideológicos, restringindo as mensagens partidárias aos ecrãs de telemóveis e computadores. Definitivamente, a política já não estava na rua.
No entanto, uma inversão de tendência tem sido detetada pelos levantamentos feitos por entidades como o Ephemera. Num modelo semelhante ao de um serviço de informações, este organismo possui um líder cujo rosto representa a corporação nos media, um grupo de operacionais vindos a público, de forma discreta, para montar exposições ou recolher documentação e uma rede de informadores ligados às chefias por meios digitais e que constituem os olhos e ouvidos de José Pacheco Pereira em todo o país. As fotografias enviadas pelos agentes do Ephemera, das quais apenas uma pequena parte é publicada online, mostram o retorno às ruas dos meios tradicionais de propaganda política ocorrido ao longo dos anos 20. Abundantes pichagens, sejam pinturas murais ou simples rabiscos feitos a caneta ou marcador, reproduzem-se nas paredes das cidades, juntamente com faixas, stencils, bandeiras, autocolantes, cartazes em papel ou cartão, etc. Ao contrário do que acontecia na minha infância, quando os vários suportes aguardavam durante anos o desgaste natural trazido pelos elementos, estes materiais são realmente efémeros, com a sua rápida desaparição a ser imposta pela limpeza autárquica, pelo aparecimento de outros conteúdos ou pela renovação das mensagens trazida por eleições e pelas reviravoltas da atualidade. De resto, para lá da política, a publicidade de pequena escala a diferentes produtos e serviços também regressou aos espaços urbanos, pelo que a concorrência alastra e as paredes não permanecem nuas por muito tempo.
Vários fatores podem ser associados a esta repolitização das áreas de utilização coletiva. Em primeiro lugar, o PCP e o Bloco de Esquerda tornaram-se dois dos partidos com menos recursos, condição que estimulou essas organizações a dar uma nova atenção a meios baratos como folhetos, graffitis e mini-cartazes. Desenvolveram-se também novas formas de ativismo não necessariamente ligadas aos partidos e cuja expressão ocorre muitas vezes através de mensagens anónimas nas ruas. Ao mesmo tempo, as redes sociais revelaram as suas limitações ao contribuírem para a multiplicação de bolhas onde os conteúdos políticos se repetem em círculo fechado para audiências restritas, enquanto a lógica dos reality-shows ganha um relevo digital cada vez maior em detrimento dos comentários sobre as últimas notícias. Nesse sentido, afixar ou escrever mensagens em locais de grande afluência, nomeadamente os pontos de partida e chegada dos transportes públicos, representa um esforço para chegar a pessoas inatingíveis de outra forma com o objetivo de divulgar manifestações e outras iniciativas fomentadas pela agitação social dos últimos anos. Verificam-se ainda influências do futebol, quer no ambiente de revalorização dos autocolantes promovido pelas claques (a diversidade dos materiais deste tipo produzidos por adeptos é impressionante) quer pela tradição de colocar bandeiras nas varandas, aproveitada por alguns cidadãos para manifestar a sua solidariedade com países como Israel, Ucrânia ou Palestina. Pode ainda referir-se o mero desejo de marcação de território e ocupação simbólica do espaço público, visível nos milhares de cartazes contra os “tachos” e a corrupção espalhados pelo Chega à margem do calendário eleitoral.
Permanece por esclarecer se este fenómeno em que a política esquece o conforto do lar e reclama novamente as ruas perdurará nos próximos anos. Como tudo o resto, dependerá das circunstâncias. O desanuviamento do ambiente nacional e internacional, acompanhado pela despolarização do discurso político, contribuiria para uma privatização dos sentimentos dos portugueses idêntica à ocorrida durante o cavaquismo. As autarquias e outras entidades públicas poderiam também tentar disciplinar a transmissão das opiniões da população no espaço comunitário através da criação de áreas específicas para tal, reservadas a cartazes ou pichagens, à semelhança do que tem acontecido com a arte urbana. No entanto, a lógica de expressão individual ou de divulgação do pensamento de pequenos grupos que se encontra ligada à tendência atual, em contraste com o predomínio das orientações dos partidos durante os anos 70 e 80, atribui-lhe uma espontaneidade dificilmente compatível com esse tipo de resposta. Enquanto o futuro não se clarifica, importa registar e valorizar a presença de temas políticos (ou sociais, religiosos, desportivos...) nos prédios e no mobiliário urbano, observando-a não como vandalismo mas antes como um sinal de vitalidade do espaço público e uma quebra na monotonia de cidades onde a construção se tornou asséptica e indiferenciada.
As ideias: Obviamente que a Iniciativa Liberal (IL) não é de extrema-direita. O partido mantém-se fiel aos princípios de 1820 (neste caso, de 1826, se considerarmos a Iniciativa uma herdeira dos cartistas e opositora dos setembristas), como a liberdade de expressão, a igualdade perante a lei ou a separação dos poderes, todos eles irrelevantes para o Chega. Dito isto, a fundação e desenvolvimento da IL enquadram-se na tendência de radicalização da direita posterior a 2008, bem como na crescente disponibilidade dos eleitores para aderirem a novos partidos e propostas de rutura. A IL veio também representar o setor laico da direita portuguesa, sem a tradicional influência da Igreja Católica ou as pressões recentes dos evangélicos, o que explica as suas posições nas questões de “costumes”. Centrando-se no indivíduo e não na Pátria ou no “nós” das canções de intervenção, a IL apela a um tipo especial de sentimentos. Se o Chega rega a planta do ressentimento ao lisonjear quem se sente injustiçado pelas mais diversas razões, a Iniciativa é acima de tudo o partido da autoestima. Pessoas com algum sucesso, confiantes em si próprias e libertas de heranças católicas como remorsos, sentimentos de culpa ou preocupações com o coletivo encontram na IL uma baía segura onde atracar. O otimismo antropológico dos liberais (outra exceção dentro da direita) acredita na Cristina Ferreira que existe dentro de cada um dos portugueses.
O estilo: Há muitas semelhanças entre a Iniciativa Liberal e o Bloco de Esquerda dos primeiros anos, antes da entrada dos bloquistas na adolescência. Falamos de partidos de jovens urbanos politizados e geralmente qualificados, indiferentes a autoridades tradicionais como padres, polícias ou militares, beneficiários de simpatias nas redações e adeptos de uma propaganda original e irreverente, por vezes a roçar a infantilidade. Tal como aconteceu no Bloco, os cartazes da Iniciativa foram ficando a pouco e pouco mais previsíveis e convencionais e o discurso tornou-se mais redondo de modo a conquistar eleitores para lá do núcleo inicial. Mesmo assim, o pastiche da iconografia da esquerda feito pela IL adequa-se a uma retórica revolucionária sem paralelo noutros partidos. Ao quererem criar um Homem Novo, destruir o “socialismo” e implementar mudanças profundas num Portugal sempre na cepa torta (a IL adotou a perspetiva do seu historiador preferido, Vasco Pulido Valente), os liberais apresentam uma imagem renovadora atraente para os jovens, ligada a uma certeza na vitória final só comparável à dos comunistas dos anos 70. O problema do radicalismo liberal está na futura dificuldade em estabelecer compromissos com o PSD e seguir um rumo mais gradualista depois de proclamar soluções tão arrojadas e que supostamente resultam em todo o mundo.
O público-alvo: Miguel Esteves Cardoso chamou carinhosamente “Iniciativa Betinha” à IL, da qual não é eleitor mas onde encontra um partido representativo da sua classe. De facto, tal como o Sporting, a Iniciativa possui um código genético ligado à riqueza e ao fair-play dos gentlemen, mas, à semelhança dos “leões”, cresceu ao ponto de atrair hoje em dia adeptos de todas as camadas sociais. O sucesso eleitoral obtido pelos liberais nos bairros mais finos de Lisboa, Porto, Oeiras ou Cascais ajudou à consolidação da IL, permitindo-lhe dar alguns passeios fora da sua zona de conforto. No entanto, há setores do eleitorado que, com a sua visão materialista da vida, a IL instintivamente não acredita poder conquistar. Afinal, como é que reformados e funcionários públicos poderiam apoiar um partido ansioso para emagrecer o Estado? Por esse motivo, o discurso da Iniciativa para esses grupos soa sempre pouco convicto e quase inaudível. Entretanto, apesar do seu laicismo, o partido de Carlos Guimarães Pinto encara o crescimento do liberalismo como uma evangelização. Enquanto os seguidores do Chega são incentivados a não lerem nada além do Correio da Manhã e dos posts de André Ventura nas redes sociais, a IL acredita no poder dos livros e, sobretudo através do Instituto Mais Liberdade, procura difundir as obras que contêm a palavra da salvação, bem como promover a “literacia financeira” ao fazer os novos crentes aprenderem a língua necessária para comunicar com o divino, mantida viva nas faculdades de economia.
Os líderes: É necessário ter em conta o contexto de 2019, marcado pela formação de partidos totalmente centrados nos respetivos líderes (Chega, Aliança), para compreender a vontade desde então manifestada pela IL de se distinguir como um “partido de ideias” cujo presidente parece sempre algo desconfortável no cargo. O primeiro líder liberal, Miguel Ferreira da Silva, exerceu a presidência durante pouco tempo e foi o seu sucessor Carlos Guimarães Pinto quem levou a Iniciativa do quase nada até ao Parlamento, além de atribuir à organização a identidade que ainda mantém. Dotado de inteligência e sentido de humor, mas também de desprezo pelo lado mais pragmático da política, Carlos deu um passo à direita ao ceder o lugar a João Cotrim de Figueiredo, o primeiro deputado da IL, inevitavelmente ligado ao crescimento do partido nas legislativas de 2022. No entanto, Cotrim também celebrou a vitória abandonando a presidência, num ato acompanhado pelo apoio a Rui Rocha, que, após derrotar Carla Castro numa convenção que deixou feridas no partido, seguiu um estilo político mais “popular” (tradução: menos culto e inteligente). Na verdade, Rocha nunca deixou de parecer um homem que tinha chegado a líder partidário por escrever umas larachas no então Twitter, além de revelar uma habilidade digna de um Chicão nos contactos com a oposição interna. Nas legislativas de março de 2024, a IL sentiu o sabor estranho do empate familiar aos seus homólogos do BE, mas nas europeias de junho foi praticamente o único partido que obteve um resultado sem “mas” (o outro foi o PAN, esse por maus motivos). Na convenção a realizar pela Iniciativa em julho, o antigo candidato presidencial Tiago Mayan tentará tornar-se o quinto presidente do partido em seis anos. Ignora-se se Mayan conseguirá derrotar a influência de Cotrim, o Louçã liberal, mas o mais relevante será compreender se a IL já se afirmou de vez como uma marca dotada das caraterísticas atrás apontadas e procurada por consumidores fiéis ou ainda depende muito dos rostos e da música que apresenta nas suas campanhas publicitárias.
O Jogo de Salazar (Casa das Letras, 2009): Quando conheci Ricardo Serrado, no primeiro ano do mestrado em História Contemporânea da FCSH, ele já pensava em ligar a futura dissertação à sua paixão pelo futebol, por sugestão de António Matos Ferreira, um dos professores de Serrado durante a licenciatura deste na FLUL. De facto, Ricardo analisou o lugar-comum dos “três efes” e a suposta instrumentalização do futebol efetuada pelo Estado Novo, concluindo que ela tivera mais de mito que de realidade. Afinal, não existira qualquer estratégia planeada pela ditadura para estimular o futebol profissional ou capitalizar os êxitos internacionais das equipas portuguesas. Com a sua expansão e popularidade, o futebol impusera-se ao regime de Salazar e até representara um contrapoder notável em momentos como a crise académica de 1969. Trata-se de uma teoria evidentemente discutível, mas defendida com rigor e habilidade por Serrado na tese editada em livro em finais de 2009. Os argumentos de então foram retomados pelo autor numa entrevista para o recente documentário da RTP Salazar Não Ia à Bola.
História do Futebol Português. Uma análise social e cultural (Prime Books, 2010; 2.ª edição, 2014): Era difícil imaginar no momento em que Ricardo Serrado me convidou, sabe-se lá porquê, para trabalhar com ele no projeto de uma história dos mais de 100 anos de vida do futebol em Portugal que cerca de dois anos depois estaríamos na Covilhã (onde a seleção nacional estagiava para o Mundial de 2010), rodeados de vuvuzelas, a lançar uma obra em boa parte concebida numa cave repleta de livros, revistas e fotocópias. Nada teria sido possível sem o entusiasmo, a capacidade de trabalho e o conhecimento do futebol de Serrado, que, ainda insatisfeito com o resultado final, reorganizou a estrutura da História do Futebol Português de modo a incluir uma nova edição dos dois volumes, em versão revista e atualizada, nas comemorações do centenário da FPF. É uma síntese necessariamente incompleta, mas gosto de pensar que foi útil aos autores da vasta bibliografia sobre o futebol português surgida nos anos seguintes.
Cosme Damião: O homem que sonhou o Benfica (Zebra, 2010): A convite do então editor Rui Pedro Braz e recorrendo a fontes como o ainda pouco explorado acervo da Biblioteca-Museu Luz Soriano, Ricardo contou a vida de Cosme Damião, a alma dos primeiros anos do Sport Lisboa e Benfica, emblema no qual o casapiano constituiu uma figura equivalente às de José Alvalade (Sporting) e José Monteiro da Costa (FC Porto). Em Portugal, as biografias de personalidades do futebol eram até aí sobretudo trabalhos de adeptos ou jornalistas, mas Ricardo Serrado conferiu um tratamento historiográfico ao percurso de Cosme Damião, abrindo um precedente para estudos posteriores, além de abordar pela primeira vez aquilo que Serrado designou por “código genético” dos três “grandes”, ou seja, determinadas características presentes em FCP, SCP e SLB desde as respetivas origens.
Futebol: A Magia para Além do Jogo (Zebra, 2011): Naquele que é talvez o mais autobiográfico dos seus livros, Ricardo Serrado analisou figuras do Olimpo do futebol como Pelé, Messi, Zidane, Maradona ou Roberto Baggio (desenhados por Pedro Pereira), uma lista elaborada a partir das obras de arte que esses atletas produziram nos relvados. Não se trata exatamente de textos biográficos, mas de breves ensaios sobre “génios” com estilos únicos cujo virtuosismo e criatividade os distinguiram da tendência para a uniformização identificada por Ricardo no futebol globalizado e transformado em produto do capitalismo. Para lá da enumeração dos factos, o historiador revelava já uma sensibilidade invulgar para a beleza e uma constante atenção a outras formas de compreender o fenómeno desportivo.
O Estado Novo e o Futebol (Prime Books, 2012): Uma nova versão de O Jogo de Salazar, enriquecida com imagens e informação apresentada para desmentir a ideia de que o Benfica foi o “clube do regime” sob a ditadura.
Mitos do Futebol Português (Plátano, 2015): Como é sabido, Ricardo Serrado integrou a equipa que concebeu o Museu Cosme Damião, antes de sair do Benfica em conflito com a direção de Luís Filipe Vieira, avessa à publicação de alterações à versão oficial da génese do clube. Neste livro, que promete na capa “toda a verdade sobre as origens do Benfica, do FC Porto e do Sporting”, Serrado partilhou as suas descobertas e interpretações acerca dos eventos da primeira década do século XX, beneficiando da colaboração de João Cardoso. Também dei um pequeno contributo para o estudo ao descrever a velha “polémica 1893/1906” em torno da fundação do FCP. O nosso esforço valeu a pena pela intenção, mas os mitos, além de serem o nada que é tudo, também são grandalhões e difíceis de derrubar. Já em 2016, Ricardo orientou uma remodelação do museu do Sporting que, na prática, significou criar em Alvalade um museu novo, mais moderno e atrativo para o visitante.
Lionel Messi: O futebolista que joga no futuro (Edições Vieira da Silva, 2015; 2.ª edição, 2024): A capa e o título deste volume podem induzir em erro pessoas que o considerem apenas mais uma biografia do craque argentino. Na verdade, Messi é o caso particular apresentado já quase no final do livro para demonstrar a teoria do autor, que se apoia nos trabalhos de António Damásio e outros cientistas ao abordar questões como a relação entre corpo e mente, o debate Natureza/meio ou a consciência e o livre-arbítrio. Ao longo do caminho, Ricardo Serrado explica porque não é cristão nem marxista e guia o leitor até às caraterísticas especiais de Messi numa escrita depurada e cativante. Uma edição aperfeiçoada do melhor livro de Serrado (traduzido para castelhano) será lançada em 9 de junho na Feira do Livro de Lisboa.
O problema corpo-mente no Portugal Contemporâneo: para uma epistemologia do desporto (1870-1910) (tese de doutoramento, 2021): De regresso à vida académica, Serrado delineou objetivos ambiciosos para o seu projeto de doutoramento. Para explicar o sucesso mundial do desporto moderno, o historiador começaria por enquadrar o aparecimento deste no contexto ideológico de finais do século XIX, marcado pela revalorização do corpo e pela obsessão com a decadência da “raça”, tendo em conta os estudos de neurociência de autores da época como Júlio de Matos e Miguel Bombarda. Em seguida, criticaria a “busca da excitação” definida por Norbert Elias, uma visão do desporto sobretudo na ótica do espetador, e argumentaria a favor do desporto como homeostasia sociocultural. Para o antigo futebolista e treinador de futsal amador Ricardo Serrado, praticar desporto é uma forma elaborada de assegurar a sobrevivência e expressar a criatividade do ser humano, um homo athleta. Se bem pensou, melhor o fez. Ao defender a tese em provas públicas realizadas por Zoom, Ricardo concluiu com sucesso o seu primeiro doutoramento e carimbou um marco dos estudos sobre o desporto (e não só) em Portugal.
A Pessoa Altamente Sensível (Plátano, 2023): Depois de descobrir, já durante a pandemia, que as caraterísticas psicológicas que lhe permitiram escrever os títulos anteriores se deviam ao facto de ser uma Pessoa Altamente Sensível (PAS), Ricardo mergulhou na leitura da bibliografia sobre o tema. Os dados científicos revelados em centenas de estudos disponíveis online foram sintetizados por Serrado num valioso livro de divulgação. Embora por vezes um pouco árido para quem não esteja familiarizado com os conceitos da neurociência, A Pessoa Altamente Sensível demonstra às “orquídeas” que não há nada de errado com elas e, ao sentirem tudo mais intensamente do que a maioria dos indivíduos, obtêm importantes vantagens caso vivam em ambientes estimulantes. Arrumada por várias livrarias na estante da autoajuda, a obra constitui, como assinalou o ator Heitor Lourenço, uma manifestação de crença na ciência e nas possibilidades desta de compreender melhor o ser humano.
As críticas à governação da APU em Loures formuladas por Fernando Rosas e outros candidatos do PCTP/MRPP às intercalares de 1981 passaram pela denúncia da alegada “política de corrupção e compadrio” seguida pelo executivo de Severiano Falcão. Numa campanha eleitoral marcada pelas acusações do PCP ao ex-presidente e novamente candidato Riço Calado, que teria favorecido durante a sua gestão Arnaldo Dias e outros empreiteiros responsáveis pela construção de bairros como Arroja e Quinta do Infantado (O Diário, 22-09-1981 e 23-09-1981), Rosas afirmou que os comunistas estavam envolvidos em casos semelhantes, além de gastarem perto de 40% do orçamento da Câmara de Loures em despesas com burocracia e “distribuição de tachos e sinecuras” por técnicos afetos ao partido de Álvaro Cunhal. Caso elegesse um autarca, o MRPP proporia um inquérito “fiscalizado pelas massas” às decisões tomadas durante os mandatos de Calado e Falcão. Os maoistas acusavam ainda PS e APU de inação perante os problemas do concelho, em especial a proliferação de bairros clandestinos onde faltavam água, eletricidade, saneamento e outros serviços. A política de habitação proposta pelo MRPP resolveria situações urgentes através do realojamento de pessoas a viver em barracas nas “casas dos capitalistas” e em andares desocupados, além de promover a discussão pública de um plano de ordenamento do município lourense, a construção pela Câmara de habitação social e o apoio às obras empreendidas pelas comissões de moradores dos bairros (Luta Popular, 08-10-1981). As eleições trouxeram ao concelho de Loures vários líderes partidários, entre eles Arnaldo Matos, presente em 9 de outubro no comício de encerramento da campanha do MRPP. No Pavilhão Polivalente de Odivelas, ouviram-se intervenções de Manuel André, Maria Regina Andrade e Fernando Rosas, que se focou em desmentir as medidas divulgadas na propaganda da APU, antes de Matos fazer um discurso centrado na atualidade nacional e internacional.
A votação de 11 de outubro terminou com a vitória da APU, cuja festa noturna em Loures contou com a participação de Álvaro Cunhal e José Manuel Tengarrinha, felizes com o triunfo da coligação nas 17 freguesias do município, enquanto a derrota do PS se traduziu na perda de um vereador e de mais de 11 mil votos em comparação com as autárquicas de 1979. Quanto ao MRPP, somou 870 votos, correspondentes a 0,7% do total, descendo em relação aos 1454 sufrágios (1,1%) de dois anos antes, mas mantendo a percentagem registada em Loures nas legislativas de 1980. A freguesia de Odivelas (que abrangia ainda os territórios das futuras freguesias de Ramada, Famões e Pontinha), a mais populosa do concelho, foi a única onde o MRPP ultrapassou os 100 votos, ao constituir a escolha de 257 eleitores. No entanto, a lista encabeçada por Fernando Rosas superara as prestações de UDP (0,6%), FUP (0,5%) e POUS (0,3%). Apesar da UDP, em declínio no território lourense desde 1976, ter ficado a pouco mais de 50 votos da marca da formação de Arnaldo Matos, alcançou um resultado interpretado pelo Luta Popular como “uma derrota de enorme significado político e histórico”. Os “udêpides” e “neo-revisionistas” representados por Francisco Rosa, tal como outros “grupelhos pseudo-revolucionários”, foram incapazes de ultrapassar o MRPP. O resultado deste poderia, no entanto, ser melhor se a campanha da organização não tivesse sido ignorada pela comunicação social, à exceção de “escassos minutos” de imagens na RTP, nem sofresse com a falta de colaboração de “muitos amigos e simpatizantes”, cujo alheamento deixara a luta pelo voto entregue a um “número relativamente pequeno” de militantes (LP, 15-10-1981). Nas entrelinhas, Rosas poderá ter-se queixado da falta de apoio interno sentida durante as semanas anteriores ao ato eleitoral.
(Fernando Rosas com os historiadores Maria Inácia Rezola e António Hespanha, cerca de 1990. Fonte: Maria Antónia Pires de Almeida)
Em 5 de dezembro, menos de dois meses depois das eleições em Loures, o Comité Central do MRPP reuniu-se e tomou a decisão de afastar Fernando Rosas de todas as funções que o lisboeta desempenhava no partido. Durante a reunião, Rosas ter-se-á demitido ou ameaçado demitir-se da direção do Luta Popular, mas, segundo Leopoldo Mesquita, o seu sucessor à frente do jornal, o “enfraquecimento numérico” dos órgãos do MRPP levaria apenas a um “reforço desses órgãos” (LP, 21-01-1982). O “camarada Fernando Rosas” viu-se rapidamente tratado com a violência verbal reservada pelo partido aos dissidentes. A 7 de dezembro, um plenário da redação do LP analisou o comportamento do ex-diretor, o qual alegadamente tomara a “atitude de desertar” do periódico, recusara discutir no CC as suas divergências com a orientação traçada por Arnaldo Matos e não corrigira uma postura de “colaboração permanente com o oportunismo”. Os redatores do jornal do MRPP manifestaram por unanimidade o seu apoio a Matos e propuseram a expulsão “para sempre” do “oportunista e traidor Rosas”. De facto, já em 6 de fevereiro de 1982, o CC examinou novamente o caso do “Dr. Fernando Rosas” e decidiu retirar ao fundador a condição de militante do PCTP/MRPP, opção na origem do imediato “regozijo” dos jornalistas do Luta Popular (LP, 11-02-1982). Outro antigo candidato à autarquia de Loures, Luís Franco, manteve-se no Comité Central e permaneceria nos órgãos diretivos do MRPP, do qual chegou a ser secretário-geral, até à purga desencadeada por Arnaldo Matos em outubro de 2015. Um texto assinado simplesmente por “Franco” referiu que a “flor de estufa” fora queixar-se “aos homens de Eanes” da sua expulsão, embora uma das acusações feitas a Rosas fosse a de ter discordado em 1976 do apoio do MRPP à candidatura de Ramalho Eanes, ocultando a sua posição e influenciando outros militantes nos bastidores (LP, 18-02-1982).
Afastado da vida partidária depois de vários anos de forte envolvimento, Fernando Rosas preencheu o tempo com a leitura da bibliografia mais recente sobre a história contemporânea portuguesa, uma paixão do antigo político licenciado em Direito. Com esse ponto de partida, Fernando começou a produzir investigação histórica por volta de 1983, publicando um artigo na revista Estudos sobre o Comunismo e estabelecendo uma colaboração regular com o Diário de Notícias, onde substituiu outro ex-membro do MRPP, José Freire Antunes, na coordenação da página de História do jornal. Rosas inscreveu-se no primeiro mestrado em História dos Séculos XIX e XX criado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e aí iniciou uma carreira académica na qual tornar-se-ia uma das personalidades mais relevantes da historiografia nacional. Ao nível da política, o historiador aproximou-se do PSR e integrou como independente listas apresentadas a várias eleições pelo partido de Francisco Louçã. Em 1999, Fernando Rosas participou, juntamente com Louçã, Luís Fazenda e Miguel Portas, na criação do Bloco de Esquerda, ato inicial de uma nova fase da sua intervenção pública que o próprio Rosas considera ainda não estar encerrada.