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Desumidificador

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Não vou dizer mal do PCP...

1. Porque o partido disponibilizou online os números do Avante! e de outros jornais comunistas publicados na clandestinidade entre 1931 e 1974, fontes essenciais para o estudo da oposição ao Estado Novo. O problema é que, recentemente, passou a ser necessário comprar ou assinar o Avante! para obter a senha de entrada (alterada todas as semanas) no site que aloja as edições clandestinas. No meio do esforço legítimo do PCP para restringir o acesso à sua propriedade privada, a antiga ferramenta de pesquisa desapareceu, dificultando a investigação a quem não busca uma data específica.

 

2. Porque existe uma grande coerência no PCP e tudo o que o partido fez e disse desde 24 de Fevereiro era previsível. O problema é que as posições comunistas sobre política externa são afectadas por tiques como teorias da conspiração, anti-americanismo primário ou excessos de maniqueísmo que, contraditoriamente, aproximam o PCP dos governantes menos recomendáveis. Tudo isto já surgira nos últimos anos a propósito de Cuba, da Síria, da Venezuela ou da Bielorrússia, mas tratava-se de questões distantes da política do dia-a-dia em que as posições dos comunistas portugueses facilmente passavam despercebidas. Claro que o PCP não apoia Vladimir Putin e os seus comunicados incluem sempre uma crítica ao regime russo, feita no mesmo parágrafo onde a direcção de Jerónimo de Sousa afirma que também não gosta de chanfana, de música country e da facilidade com que se assinalam penáltis no futebol português. Os outros parágrafos são preenchidos com críticas à Comissão Europeia, à Administração Biden e a tudo o que seja “nosso”, ou seja, pertença a um capitalismo eterna e inevitavelmente malévolo. Na verdade, o que o PCP gostaria era de poder regressar ao tempo em que O Diário estava nos quiosques e o mundo era simples e compreensível.

 

3. Porque há no PCP várias pessoas com as melhores intenções segundo as quais basta dizer “Paz sim, guerra não” e condenar as sanções à Rússia e o fornecimento de armas à Ucrânia para favorecer a resolução do conflito ou, pelo menos, ficar numa posição em que não se tenha culpa de nada. O problema é que, como diria o general Vasco Gonçalves, aqui não pode haver neutros. O precedente criado pelo ataque da Rússia à Ucrânia e as atrocidades cometidas pelas tropas russas (cauteloso quanto à autoria dos massacres, o PCP admite a hipótese de surgirem no futuro provas a incriminar a cantora Tonicha) são demasiado graves para se supor que existem nesta guerra duas partes equivalentes a quem basta sentar à mesa de conversações para chegarem a um acordo racional que satisfaça os interesses de ambas. O raquelismo-varelismo, ligado à “história dos resistentes”, admitiu que, para chegar à paz, a Ucrânia deveria simplesmente render-se e aceitar todas as exigências da Rússia. Se o PCP acredita numa solução semelhante, há que clarificá-lo.

 

4. Porque o ambiente emocional e a sensação de perigo criados pela invasão da Ucrânia facilitam um discurso de “caça às bruxas” por parte da direita que, visando em primeiro lugar o PCP, depressa atingirá o Bloco (para muita gente, é tudo a mesma coisa) e, pouco depois, o PS. O problema é que, para o PCP, qualquer crítica pode ser reduzida a anticomunismo. Ainda para mais, quem está em minoria nunca teve tanta facilidade em arranjar justificações para gritar insultos aos numerosos idiotas que insistem em conduzir em contramão. Basta pegar no telemóvel e procurar a informação “certa” enquanto a outra mão segura o volante. Entretanto, há que denunciar o risco em que todos aqueles veículos no lado errado da estrada colocam o condutor responsável. Integrado no espírito do tempo, o PCP já dispensou o sentido das proporções e está apto a denunciar em todo o lado a censura, o pensamento único e a criminalização do pacifismo. Afinal, resistir no Twitter não é muito diferente de resistir na prisão.

 

5. Porque os militantes comunistas receiam que, se o partido alterar uma vírgula no seu discurso ou modificar a sua organização interna, deixará de ser o PCP para se tornar outra coisa qualquer. O problema é que a estabilidade actual tem produzido efeitos cada vez mais nocivos, limitando a influência da organização centenária aos cerca de 4% dos eleitores que se mantém fiéis em quaisquer circunstâncias e garantem que, ao contrário do CDS, o PCP não desaparecerá de um momento para o outro. No seu último livro, o dissidente Domingos Lopes constata o óbvio: o facto de nem o secretário-geral nem qualquer outro dirigente do PCP se demitirem, por piores que sejam os resultados eleitorais, cria entre os quadros um “ambiente de pouca exigência” propício à acomodação e à busca de causas exteriores para tudo o que corre mal. Lopes acredita que o seu antigo partido poderia mudar se analisasse criticamente o legado de Álvaro Cunhal e corrigisse os aspectos negativos do modelo deixado pelo antigo líder. Talvez fosse possível, mas criticar Cunhal parece ser dentro do PCP uma daquelas blasfémias cuja mera enunciação abalaria a coesão do grupo. Seria como se, numa assembleia-geral do FC Porto, um sócio admitisse no seu discurso a hipótese de Pinto da Costa alguma vez ter violado a lei na sua vida.

 

 

6. Porque é verdade que o tom da comunicação social é geralmente desfavorável ao PCP, com poucos comentadores comunistas a acederem a tribunas públicas. O problema é que, além de se queixar todos os dias da “campanha anticomunista” dos media, o PCP poderia tentar compreender em que medida contribuiu para esse isolamento. Afinal, todos os partidos procuram influenciar a comunicação social a seu favor e um fracasso nessa área deve-se pelo menos em parte aos próprios interessados. Pinto Balsemão e os outros patrões dos media não gostam dos comunistas? É mais provável que, como José Pacheco Pereira escreveu certa vez, os jornalistas mais jovens tenham muita dificuldade em compreender o universo do PCP (os sindicatos, as autarquias, a memória da Reforma Agrária, etc.), enquanto o partido desconfia por natureza da informação controlada pelo “grande capital”. Assim, o PCP acaba a retratar-se a si próprio no Abril Abril, bastante inferior em grafismo e conteúdo ao portal do Bloco de Esquerda.

 

7. Porque o PCP poderia ser muito mais do que 30 velhos reunidos numa sala da antiga Associação de Amizade Portugal-URSS a confessarem que estão a dar em malucos porque a televisão não diz o que querem ouvir sobre a guerra na Ucrânia. O problema é que isto não é uma caricatura, é a reprodução de uma notícia do Avante! de 14 de Abril de 2022.