Cinemas em 2003
Graças ao Arquivo.pt, recuperei um texto que escrevi em Julho de 2003 sobre os cinemas de Lisboa e Odivelas onde costumava ir. Passaram 20 anos e o 222, o Cine Odivel, o Mundial e o Monumental fecharam. Os outros espaços referidos não mudaram muito, embora o Odivelas Parque agora se chame Strada e o seu cinema, com ambições inferiores às de 2003, vá atraindo algum público. Fica aqui um modesto contributo para a memória cinéfila.
"Não conheço muitas salas de cinema, para dizer a verdade. Vou quase sempre de autocarro até ao Saldanha quando quero ver uma longa-metragem (a propósito, bem gostava que fossem exibidas frequentemente nas salas do circuito comercial “curtas” portuguesas, normalmente remetidas para os festivais, mas tal aposta é ainda rara). Mas posso deixar alguns breves apontamentos sobre locais de exibição que visitei ocasionalmente em Lisboa e arredores. Além das condições desses espaços, interessa-me a programação aí seguida, como principal factor de atracção do público que é (será? É mais provável que as pessoas prefiram sobretudo ir aonde toda a gente vai).
Cine-Estúdio 222: Cinema situado num centro comercial manhoso e minúsculo em frente à “torre de vidro”. Dominado pela exibição de obras de proveniência indiana, é alugado pela Zero em Comportamento, que realiza aí os seus ciclos durante os dias úteis. A única sala é pequena e humilde. As cadeiras são gastas. Mas é possível ver aí bons filmes, esquecendo totalmente a pobreza do cenário (a imaginação pode, afinal, ser mais importante que o dinheiro).
Cine Odivel: É a sala de projecção do centro comercial Kaué, em Odivelas. Embora tenha sido durante muito tempo o único cinema da cidade, era alvo de escárnio pelas suas más condições e pelo atraso com que exibia as películas. Sujeito a obras de remodelação (pintura e colocação de novas cadeiras), ficou mais parecido com os espaços da Warner-Lusomundo (continuando no entanto a cheirar mal). Não vou lá há mais de um ano, mas parece-me que tem tido sucesso ao estrear filmes como “Nascer para Morrer”, “Charlie’s Angels – Potência Máxima” e “Exterminador Implacável 3”. Tem intervalo, o que é o mesmo que dizer que tem pipocas. Como outros estabelecimentos do género, procura atrair o público infantil, realizando sessões extra de desenhos animados durante as férias escolares.
Colombo: “O” cinema de Lisboa. Salas vastas que se enchem facilmente. Pipocas, pipocas e pipocas. Muitos doces e refrigerantes (não vá o espectador sentir um desejo irreprimível de um saco de gomas ou de uma Pepsi a meio do filme) à venda perto de corredores longos, escuros e misteriosos pelos quais se espalham cartazes de todos os filmes com estreia marcada para os próximos dois anos. Os Looney Tunes a olhar-nos por toda a parte e a anunciar, após dúzias de “trailers”, que vai ser projectado o filme que pagámos para ver (por vezes, não sem outro “trailer” depois do anúncio). O Colombo é um espaço de louvor aos EUA, o país de origem de 99,6% dos filmes exibidos (não contando com as co-produções EUA/Reino Unido). A programação é rica em obras (geralmente comédias e filmes de terror) que os críticos, horrorizados, preferem fingir que não existem e evitam a todo o custo, mas fazem vender toneladas de milho.
El Corte Inglés: Fui ao polémico centro comercial uma vez e não tenho grandes motivos de queixa. Não é muito diferente de outros multiplexes mas as salas são boas e o ambiente agradável. A programação parece trivial mas lá pelo meio há filmes comercialmente arriscados (como “Cidade de Deus” e “Donnie Darko”) que faz bem ver nos cinemas.
Monumental: Porque gosto deste cinema de oito salas (contando com o Saldanha Residence)? Bem, entre os filmes projectados verifica-se um equilíbrio entre o entretenimento americano e as obras mais “alternativas” e diversificadas. Não costumam aparecer por lá os chatos que se fazem ouvir em outros locais. Alguns espaços são muito bons (com destaque para o Cineteatro) e tudo parece estar no sítio certo, sem nada de piroso. É como se tivesse sido feito para ver cinema e não para comer pipocas (não entram cereais nas salas). Além disso, no Residence, quem se aborrecer com o filme a que assiste pode entreter-se a calcular o tempo que decorre entre a passagem de cada comboio do Metro.
Mundial: A W-L mostra que não é tão comercial como se diz (no fundo, tem um lado sensível e intelectual) gerindo o Mundial, à Fontes Pereira de Melo. Aí são exibidas não só algumas obras viradas para o grande público como fitas de países da UE e filmes de culto (esses beneficiando da atenção da crítica). Algumas longas-metragens só chegam a Portugal graças ao Mundial, como aconteceu com “Memento” (uma daquelas que teve sucesso e ficou longos meses em cartaz). No rés-do-chão, ficam a bilheteira, a loja de venda dos habituais produtos alimentares e a sala de maiores dimensões. Na cave, estão duas salas pequeninas, as casas-de-banho e um espaço dedicado à imprensa onde é possível ler o DN do dia. Se procura um cinema com intervalos durante as sessões, este é o ideal.
Odivelas Parque: Parecido com o Colombo, mas sem público. Os funcionários deambulam pelo corredor, preparados para a vinda de hordas imensas de espectadores ansiosos que não há meio de aparecerem. Alguns seres humanos espalham-se pelas cadeiras das acanhadas salas, com um som por vezes deficiente."