Era uma vez os clubes de vídeo
— Tio, o que eram os clubes de vídeo?
— Eram lojas onde íamos alugar filmes.
— Precisavam de sair de casa para arranjar filmes?
— Os tempos eram outros. Ou íamos ao videoclube ou passávamos o fim-de-semana a ver as comédias sem graça ou os filmes com cães falantes que davam nos canais generalistas.
— Quando tu nasceste já havia clubes de vídeo?
— Tinham surgido há pouco tempo. O período áureo deles foi precisamente nos anos 80. No final do século passado, ainda havia pelo menos um clube de vídeo em cada bairro e eu comecei nessa altura a frequentar o videoclube do Sr. Fernando, perto da minha casa. Imagina que o Sr. Fernando ainda lá está passados todos estes anos, mas agora praticamente só vende jogo e tabaco. Na verdade, os jogos da Santa Casa já eram a principal fonte de rendimento dele por volta de 2010. Nessa altura, surgiram os videoclubes dos fornecedores de televisão por cabo e o antigo negócio do Sr. Fernando deixou definitivamente de fazer sentido.
— Como é que os clubes de vídeo funcionavam?
— Olha, nós tornávamo-nos “sócios” do clube, recebíamos um cartão e quando nos apetecia íamos lá escolher uma cassete ou, mais tarde, um DVD. Levávamos o filme para casa, víamo-lo, rebobinávamos a cassete…
— Rebobi… quê?
— Fazíamos o filme voltar ao princípio. Depois voltávamos ao clube de vídeo e devolvíamos o filme. Se não rebobinássemos a cassete ou tivéssemos excedido o prazo do aluguer, que era de 24 horas nos filmes mais recentes, pagávamos mais.
— Mas como é que era um clube de vídeo?
— Aqueles que eu conhecia tinham o tamanho de uma loja igual às outras. Havia cartazes nos vidros e, lá dentro, uma série de prateleiras cheias de caixas com informação sobre os respectivos filmes, arrumadas por géneros como acção, drama, terror, comédia ou animação. Num espaço à parte, estavam umas caixas com um aspecto manhoso para filmes pornográficos.
— Filmes pornográficos?
— Filmes iguais aos da colecção que o teu pai guarda no armário, como o Sócia, Estou Entesadíssimo.
— Ah.
— Nunca aluguei nenhum desses. Sempre me perguntei quem os levava e como é que o Sr. Fernando lidaria com esses clientes. Era-lhe indiferente, olhava com desprezo para eles ou fazia um sorriso maroto e dava-lhes sugestões?
— Então os filmes estreavam no cinema e depois iam para os clubes de vídeo?
— Sim, demorava cinco ou seis meses, antes da pirataria aumentar e os prazos encurtarem. Também chegavam directamente aos videoclubes alguns filmes sem passagem pelos cinemas. Geralmente, eram péssimos, mas às vezes aparecia uma autêntica pérola que os distribuidores tinham desprezado por ser pouco comercial.
— E vocês podiam ver filmes antigos?
— Dependia do que se considerasse “antigo”. Havia algumas cassetes velhinhas com filmes do James Bond e assim, mas a maioria da oferta era recente. De resto, poucos clientes iam além da estante das novidades. Não sei o que o Sr. Fernando fez àquelas cassetes todas quando se deu a transição do VHS para o DVD. Nessa altura, o sistema continuou o mesmo, só mudara o formato.
— Tens saudades dos clubes de vídeo?
— Muitas. Sabes, no fundo eles não eram apenas lojas. Os clubes de vídeo eram um símbolo de uma época mais feliz, quando as pessoas eram honestas, não pensavam apenas em dinheiro e tratavam-se com respeito e tolerância.
— Ó tio…
— OK, agora a sério: acho que não. Tiveram o seu tempo, foram importantes para quem gostava de cinema, mas não eram tão maravilhosos como por vezes se diz. Ficam bem guardados na nossa memória, sem nostalgia.
— Tio, o que é uma ganza?
— Pergunta à tua mãe.