As críticas à governação da APU em Loures formuladas por Fernando Rosas e outros candidatos do PCTP/MRPP às intercalares de 1981 passaram pela denúncia da alegada “política de corrupção e compadrio” seguida pelo executivo de Severiano Falcão. Numa campanha eleitoral marcada pelas acusações do PCP ao ex-presidente e novamente candidato Riço Calado, que teria favorecido durante a sua gestão Arnaldo Dias e outros empreiteiros responsáveis pela construção de bairros como Arroja e Quinta do Infantado (O Diário, 22-09-1981 e 23-09-1981), Rosas afirmou que os comunistas estavam envolvidos em casos semelhantes, além de gastarem perto de 40% do orçamento da Câmara de Loures em despesas com burocracia e “distribuição de tachos e sinecuras” por técnicos afetos ao partido de Álvaro Cunhal. Caso elegesse um autarca, o MRPP proporia um inquérito “fiscalizado pelas massas” às decisões tomadas durante os mandatos de Calado e Falcão. Os maoistas acusavam ainda PS e APU de inação perante os problemas do concelho, em especial a proliferação de bairros clandestinos onde faltavam água, eletricidade, saneamento e outros serviços. A política de habitação proposta pelo MRPP resolveria situações urgentes através do realojamento de pessoas a viver em barracas nas “casas dos capitalistas” e em andares desocupados, além de promover a discussão pública de um plano de ordenamento do município lourense, a construção pela Câmara de habitação social e o apoio às obras empreendidas pelas comissões de moradores dos bairros (Luta Popular, 08-10-1981). As eleições trouxeram ao concelho de Loures vários líderes partidários, entre eles Arnaldo Matos, presente em 9 de outubro no comício de encerramento da campanha do MRPP. No Pavilhão Polivalente de Odivelas, ouviram-se intervenções de Manuel André, Maria Regina Andrade e Fernando Rosas, que se focou em desmentir as medidas divulgadas na propaganda da APU, antes de Matos fazer um discurso centrado na atualidade nacional e internacional.
A votação de 11 de outubro terminou com a vitória da APU, cuja festa noturna em Loures contou com a participação de Álvaro Cunhal e José Manuel Tengarrinha, felizes com o triunfo da coligação nas 17 freguesias do município, enquanto a derrota do PS se traduziu na perda de um vereador e de mais de 11 mil votos em comparação com as autárquicas de 1979. Quanto ao MRPP, somou 870 votos, correspondentes a 0,7% do total, descendo em relação aos 1454 sufrágios (1,1%) de dois anos antes, mas mantendo a percentagem registada em Loures nas legislativas de 1980. A freguesia de Odivelas (que abrangia ainda os territórios das futuras freguesias de Ramada, Famões e Pontinha), a mais populosa do concelho, foi a única onde o MRPP ultrapassou os 100 votos, ao constituir a escolha de 257 eleitores. No entanto, a lista encabeçada por Fernando Rosas superara as prestações de UDP (0,6%), FUP (0,5%) e POUS (0,3%). Apesar da UDP, em declínio no território lourense desde 1976, ter ficado a pouco mais de 50 votos da marca da formação de Arnaldo Matos, alcançou um resultado interpretado pelo Luta Popular como “uma derrota de enorme significado político e histórico”. Os “udêpides” e “neo-revisionistas” representados por Francisco Rosa, tal como outros “grupelhos pseudo-revolucionários”, foram incapazes de ultrapassar o MRPP. O resultado deste poderia, no entanto, ser melhor se a campanha da organização não tivesse sido ignorada pela comunicação social, à exceção de “escassos minutos” de imagens na RTP, nem sofresse com a falta de colaboração de “muitos amigos e simpatizantes”, cujo alheamento deixara a luta pelo voto entregue a um “número relativamente pequeno” de militantes (LP, 15-10-1981). Nas entrelinhas, Rosas poderá ter-se queixado da falta de apoio interno sentida durante as semanas anteriores ao ato eleitoral.
(Fernando Rosas com os historiadores Maria Inácia Rezola e António Hespanha, cerca de 1990. Fonte: Maria Antónia Pires de Almeida)
Em 5 de dezembro, menos de dois meses depois das eleições em Loures, o Comité Central do MRPP reuniu-se e tomou a decisão de afastar Fernando Rosas de todas as funções que o lisboeta desempenhava no partido. Durante a reunião, Rosas ter-se-á demitido ou ameaçado demitir-se da direção do Luta Popular, mas, segundo Leopoldo Mesquita, o seu sucessor à frente do jornal, o “enfraquecimento numérico” dos órgãos do MRPP levaria apenas a um “reforço desses órgãos” (LP, 21-01-1982). O “camarada Fernando Rosas” viu-se rapidamente tratado com a violência verbal reservada pelo partido aos dissidentes. A 7 de dezembro, um plenário da redação do LP analisou o comportamento do ex-diretor, o qual alegadamente tomara a “atitude de desertar” do periódico, recusara discutir no CC as suas divergências com a orientação traçada por Arnaldo Matos e não corrigira uma postura de “colaboração permanente com o oportunismo”. Os redatores do jornal do MRPP manifestaram por unanimidade o seu apoio a Matos e propuseram a expulsão “para sempre” do “oportunista e traidor Rosas”. De facto, já em 6 de fevereiro de 1982, o CC examinou novamente o caso do “Dr. Fernando Rosas” e decidiu retirar ao fundador a condição de militante do PCTP/MRPP, opção na origem do imediato “regozijo” dos jornalistas do Luta Popular (LP, 11-02-1982). Outro antigo candidato à autarquia de Loures, Luís Franco, manteve-se no Comité Central e permaneceria nos órgãos diretivos do MRPP, do qual chegou a ser secretário-geral, até à purga desencadeada por Arnaldo Matos em outubro de 2015. Um texto assinado simplesmente por “Franco” referiu que a “flor de estufa” fora queixar-se “aos homens de Eanes” da sua expulsão, embora uma das acusações feitas a Rosas fosse a de ter discordado em 1976 do apoio do MRPP à candidatura de Ramalho Eanes, ocultando a sua posição e influenciando outros militantes nos bastidores (LP, 18-02-1982).
Afastado da vida partidária depois de vários anos de forte envolvimento, Fernando Rosas preencheu o tempo com a leitura da bibliografia mais recente sobre a história contemporânea portuguesa, uma paixão do antigo político licenciado em Direito. Com esse ponto de partida, Fernando começou a produzir investigação histórica por volta de 1983, publicando um artigo na revista Estudos sobre o Comunismo e estabelecendo uma colaboração regular com o Diário de Notícias, onde substituiu outro ex-membro do MRPP, José Freire Antunes, na coordenação da página de História do jornal. Rosas inscreveu-se no primeiro mestrado em História dos Séculos XIX e XX criado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e aí iniciou uma carreira académica na qual tornar-se-ia uma das personalidades mais relevantes da historiografia nacional. Ao nível da política, o historiador aproximou-se do PSR e integrou como independente listas apresentadas a várias eleições pelo partido de Francisco Louçã. Em 1999, Fernando Rosas participou, juntamente com Louçã, Luís Fazenda e Miguel Portas, na criação do Bloco de Esquerda, ato inicial de uma nova fase da sua intervenção pública que o próprio Rosas considera ainda não estar encerrada.
O historiador Fernando Rosas lançou-se na atividade política ainda na adolescência, iniciando um percurso de oposição ao Estado Novo onde se incluíram duas passagens pela prisão. Em setembro de 1970, Rosas foi um dos fundadores do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP), uma das organizações mais relevantes da extrema-esquerda portuguesa no final da ditadura e ao longo da Revolução. No final de 1976, a formação maoista adotaria a designação de Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses e passaria a ser identificada nos boletins de voto pela sigla PCTP/MRPP. Recentemente, no livro Ensaios de Abril (Tinta-da-China, 2023), Rosas evocou o seu caso pessoal com o objetivo de recuperar a memória desse campo político e valorizar o contributo deste para as transformações ocorridas em Portugal na década de 70.
Depois do 25 de Abril, sem beliscar o protagonismo incontestável do líder Arnaldo Matos no MRPP, Fernando Rosas foi um dos dirigentes do partido com maior visibilidade mediática através de discursos em comícios ou do contacto com jornalistas nas conferências de imprensa realizadas na sede da Avenida Álvares Cabral. Nas suas palavras, o futuro professor universitário era “uma espécie de António Ferro do MRPP” (Fernando Rosas: A História como Paixão. Diálogo com José Jorge Letria, Lisboa, Guerra & Paz, 2018, p. 83), ligado sobretudo à propaganda do organismo e a tarefas como a direção do jornal oficial deste, Luta Popular (LP). Ao longo dos anos posteriores ao 25 de Novembro, o MRPP, incapaz de entrar no Parlamento, viveu um contínuo refluxo marcado por numerosas cisões e saídas. O próprio Rosas, ao assistir à transformação do partido numa “seita” cada vez mais fechada, terá acumulado divergências que o levariam a afastar-se. Numa entrevista a Luís Trindade, o historiador falaria do seu abandono da “política organizada” em 1979, apesar de no ano seguinte ter representado, “já numa situação de alguma independência”, o MRPP na CNARPE, a comissão de apoio à segunda candidatura presidencial de Ramalho Eanes (História e Memória – “Última Lição” de Fernando Rosas, Lisboa, Tinta-da-China, 2016, p. 90). Rosas situou a sua desfiliação do MRPP em “finais de 1980”, embora evitando descrever as circunstâncias em que ela aconteceu devido ao “enorme respeito” do académico pelos antigos correligionários, com os quais partilhou a luta contra a ditadura, e à vontade de deixar “para os historiadores mais novos” o estudo do período pós-revolucionário (Ensaios de Abril, pp. 21 e 27). Vamos, assim, enumerar alguns dados nesse sentido.
No início de 1981, Fernando Rosas era ainda membro do Comité Central do PCTP/MRPP, órgão dentro do qual se procedeu então a uma divisão de tarefas que conferiu novamente a Rosas a direção do Luta Popular, publicado semanalmente e em cujas páginas Fernando assinou artigos de opinião como “A família na ordem do dia” (05-02-1981) ou “No sexto aniversário do “Apelo à Esquerda”” (10-09-1981). As reportagens do LP costumavam retratar, além das lutas laborais em várias empresas, as más condições de vida em bairros degradados da periferia de Lisboa como os do Barruncho e dos Sinistrados, na freguesia de Odivelas, ainda inserida no município de Loures. O concelho lourense fora presidido pelo socialista António Riço Calado entre 1976 e 1979, ano no qual as eleições autárquicas ditaram a substituição de Calado por Severiano Pedro Falcão, o candidato da Aliança Povo Unido (APU), formada por PCP e MDP/CDE. Sem maioria na Câmara de Loures, Severiano Falcão sofreu acesa contestação de PS e PSD, cujos vereadores se demitiram em julho de 1981, impondo a queda do executivo municipal e a realização de eleições intercalares a 11 de outubro desse ano. Loures era nessa altura o terceiro concelho mais populoso do país, com uma relevância política que fez os vários partidos mobilizarem-se para as intercalares. O MRPP, cujos militantes lourenses se reuniram em 12 de julho para preparar a futura campanha, dedicou forte atenção ao município suburbano, tema de um suplemento publicado no LP. O partido de Arnaldo Matos tinha já um esboço de programa para o concelho e procurava criar nas várias freguesias comissões de apoio, tendo surgido pelo menos quatro organismos deste tipo, alegadamente com “um papel decisivo” na elaboração da lista do MRPP (Luta Popular, 30-07-1981).
(Excerto da contracapa de As Primeiras Eleições Legislativas sob o Estado Novo, livro de Fernando Rosas publicado em 1985)
Numa conferência de imprensa a 19 de agosto, o MRPP anunciou os seus candidatos à Câmara de Loures, com Fernando Rosas como cabeça de lista, enquanto o segundo lugar foi atribuído a outro membro do Comité Central, Luís Franco, operário nas oficinas do Metropolitano de Lisboa e morador nos Bons Dias (Ramada). Além de Rosas e Franco, a mesa da conferência incluiu outros dois candidatos, o marceneiro Manuel André (36 anos) e a empregada de escritório Anabela Rubim (19 anos). A lista completa do MRPP, formada por onze efetivos e nove suplentes, apresentava uma média de idades de 30 anos e uma maioria (55%) de operários entre os seus componentes. Além de três independentes, entre eles a professora Fernanda Torres, o elenco reunia personalidades como Maria Regina Andrade (muitos anos depois, nas autárquicas de 2017, esta economista encabeçaria a lista do PCTP/MRPP à Assembleia Municipal de Odivelas) ou o operário químico Henrique Ribeiro, que se iniciara recentemente no jornalismo ao escrever para o Jornal da Pontinha. Outro operário, António Estêvão Gomes, residente na Urmeira e dirigente da União Desportiva e Recreativa de Santa Maria, era um exemplo dos vários candidatos com ligações ao tecido associativo local (LP, 08-10-1981).
As ações de campanha do MRPP para as intercalares de Loures basearam-se no trabalho voluntário de grupos de militantes e simpatizantes que percorriam as ruas a distribuir materiais do partido e vender o Luta Popular, ao mesmo tempo que se realizavam sessões de esclarecimento no concelho, em número muito inferior ao das iniciativas do PS ou do PCP. Sem os recursos dos rivais, o MRPP financiava-se com recolhas de fundos e tentava dinamizar a sua limitada rede de apoiantes em bairros como Patameiras, Serra da Luz ou Olival Basto, onde o maoista Manuel Luís de Carvalho apelou à “mobilização do povo” e afirmou que, em oposição às abundantes promessas dos adversários, “o PCTP não põe só “rosas” no seu programa” (LP, 01-10-1981). Em 12 de setembro, Fernando Rosas deslocou-se à Academia Musical de Sacavém para participar numa “mesa redonda” sobre as eleições promovida pelo jornal regional Vento Novo. O diretor do LP debateria com António Riço Calado (PS), Francisco Rosa (UDP), Leonel Costa (candidato da coligação ASDI/UEDS) e Eduardo Batista, este a representar a APU devido à indisponibilidade de Severiano Falcão, enquanto AD, FUP e POUS, também a disputar as intercalares, ficaram ausentes do evento. Nas suas intervenções, Rosas apontou Loures como uma exemplo da “política do grande capital” e salientou que a “natureza de classe” dos executivos municipais não se alterara depois de 1974. Sem grandes esperanças na eleição de um vereador, o MRPP utilizava as autárquicas como “uma tribuna, uma forma de esclarecimento das populações” quanto à oposição de Arnaldo Matos aos “partidos parlamentares”. Morador em Lisboa, Fernando Rosas considerava “incorreto” afirmar que as listas concorrentes deveriam ser compostas por indivíduos a residir ou a trabalhar no concelho de Loures (Vento Novo, n.º 51, outubro de 1981). A candidatura de Rosas à autarquia lourense visava objetivos assumidamente nacionais ao associar-se à luta pelo fim do Governo AD liderado por Francisco Pinto Balsemão e à recusa de que o PCP (ou “o P“C”P”, como o partido de Álvaro Cunhal era referido na propaganda do MRPP) constituísse uma alternativa à coligação de direita.
A Serra da Luz é um dos vários bairros surgidos entre a Pontinha e Odivelas nas décadas de 50 e 60 do século XX. Enquanto os chamados “bairros do Governo Civil”, com nomes de origem religiosa (São José, Santa Maria, Menino Deus, etc.), se basearam em habitação social erguida pela entidade distrital lisboeta, áreas como Serra da Luz, Encosta da Luz ou Quinta do Zé Luís foram urbanizadas sobretudo através da construção clandestina. Os bairros da atual Vertente Sul odivelense sofreram particularmente com as cheias de 1967, que denunciaram as más condições de habitação existentes a poucos quilómetros de Lisboa. Por altura do 25 de Abril, os cerca de 9 mil habitantes da Serra da Luz ainda não dispunham de acesso à eletricidade (A Capital, 07-04-1974) e não possuíam quaisquer equipamentos sociais e de lazer. A nível desportivo, desde 1964 que, ali perto, a União Desportiva e Recreativa de Santa Maria (UDRSM) mantinha a prática regular do futebol, mas a expansão do associativismo no pós-25 de Abril e a procura dos jovens dos novos bairros por atividades desportivas que preenchessem os seus tempos livres originariam a criação de algumas coletividades, das quais chegaram até nós poucas notícias, divulgadas sobretudo pelo Jornal da Pontinha, um mensário publicado entre 1978 e 1980.
Poucos meses depois do 25 de Abril, um grupo de quatro jovens moradores da Serra da Luz, composto por três estudantes e um bate-chapas, resolveu fundar um clube e erguer num terreno livre, com a ajuda de amigos, o amplo barracão que serviria de sede da nova instituição. O projeto conquistou o interesse dos outros habitantes do bairro, que colaboraram na obra com trabalho voluntário e cedência de móveis e materiais de construção, permitindo assim concluir rapidamente o barracão onde se realizou, no dia 12 de janeiro de 1975, a assembleia fundadora do Clube Desportivo da Serra da Luz, embora os estatutos deste só viessem a ser aprovados em agosto de 1978. O futebol foi a modalidade praticada desde o início pelo CDSL, através da inscrição do clube na AFL e da formação de equipas de escalões como iniciados e juvenis. Em abril de 1978, o Desportivo da Serra da Luz participou, juntamente com outros clubes da Pontinha (CAC, Santo Eloy e Pontinhense), num torneio de futebol infantil promovido pela Direção-Geral dos Desportos no campo da Escola Agrícola da Paiã. Pela mesma altura, o Desportivo, considerado pelos seus dirigentes um clube “nascido da Revolução”, celebrou o segundo aniversário da nova Constituição com uma prova de corta-mato organizada graças à ajuda das restantes coletividades da Pontinha e do Bairro Padre Cruz. No início de 1979, o CDSL, presidido por Abel Pereira, abrangia cerca de 170 sócios, com uma participação significativa destes na vida quotidiana do clube, então a pensar em avançar com secções de xadrez e atletismo. No entanto, o Desportivo enfrentava o problema crónico da falta de instalações, numa altura em que o pavilhão da UDRSM estava encerrado há anos e os clubes pontinhenses tinham um único espaço disponível para os treinos dos seus atletas: o terreno vago anexo à central da Carris (junto da atual estação de metro), conhecido jocosamente por “Estádio da Pontinha”.
(Fonte da imagem: Câmara Municipal de Odivelas)
No entanto, nem todos os desportistas da Serra da Luz se aglomeravam no CDSL. Uma equipa conhecida por Estrelas da Serra da Luz uniu-se aos vizinhos Estrelas do Menino Deus numa fusão da qual nasceu em 1 de fevereiro de 1977 o Grupo Desportivo e Recreativo Estrelas da Serra da Luz. Dois anos depois da fundação do GDRESL, este ainda não dispunha de uma sede, problema que o presidente Cristóvão Gomes Vitorino planeava resolver através de uma recolha de fundos para custear o aluguer do rés-do-chão de um edifício na Rua D. João IV, que seria adaptado através de obras a realizar pelos 120 sócios do Estrelas. Além de experiências no karaté e atletismo, já abandonadas em 1979, o GDRESL dinamizava o “desporto popular de massas” na área do futebol, com equipas federadas de seniores e iniciados. Neste último escalão, a Série E do campeonato distrital de 1978/79 incluiu CAC, Caneças, Pontinhense e os dois clubes da Serra da Luz, havendo registo de uma vitória por 6-0 do Desportivo sobre o Estrelas no derby do bairro. Outras goleadas, como os 12-0 impostos pelo Pontinhense, fizeram parte da época desastrosa dos iniciados dos Estrelas, que terminaram o campeonato com um total de 0 golos marcados e 155 sofridos (“um resultado de que muito poucos se podem gabar”, segundo o comentário irónico do Jornal da Pontinha). Os emblemas da Serra da Luz ajudaram em abril de 1979 na preparação de vários eventos das “24 Horas Desportivas e Culturais” da futura freguesia pontinhense, embora Abel Pereira e Cristóvão Vitorino se queixassem de não terem sido convidados para integrar a comissão organizadora de uma iniciativa cujo programa se centrava no renovado parque de jogos da Praça de S. Bartolomeu, ignorando os bairros dos arredores da Pontinha.
Tanto o Estrelas como o Desportivo sobreviviam em 1979 numa situação financeira periclitante, fenómeno habitual em coletividades de parcos recursos sustentadas pelo voluntariado de sócios e dirigentes. Na temporada de 1979/80, o GDRESL já não participou nas competições da AFL, enquanto o CDSL ainda disputou a chamada Prova de Qualificação para as divisões principais de seniores. Ignora-se a atividade posterior dos dois clubes, cujo rasto desaparece na imprensa da década de 80. Entretanto, as condições de vida melhoravam progressivamente na Serra da Luz, onde a Câmara de Loures fez obras como um polidesportivo inaugurado em 1986. O equipamento terá estimulado o regresso do associativismo ao bairro, expresso no aparecimento do Grupo Desportivo Leões da Serra, fundado em 1996, e do Grupo Desportivo e Recreativo Águias da Serra da Luz (surgido em Outubro de 1999), que se dedicou ao futsal ao competir em torneios da AFL dessa modalidade. Mais uma vez, ambas as coletividades teriam vida curta e desapareceriam após deixarem um escasso registo documental. Trata-se, afinal, de uma situação comum no vaivém dos clubes formados nos últimos 50 anos no território do município de Odivelas e cujo percurso frequentemente apenas pode ser reconstituído a partir de testemunhos individuais. Se algum dos nossos leitores tiver memórias ou informações sobre os clubes da Serra da Luz, agradecemos que nos contacte através dos comentários.
Os nomes são fascinantes. Por trás daquilo que se chama a ruas, aldeias, clubes, empresas ou partidos existe frequentemente uma história muito interessante. Os antropónimos, ou seja, os nomes atribuídos a pessoas ou personagens de ficção, são também valiosos em passado e significado. No que respeita aos apelidos portugueses, vários deles podem ser conotados com regiões específicas do país. Recorrendo a exemplos escolhidos de forma perfeitamente aleatória, mencionem-se os Agria, cujo sobrenome provém de uma aldeia próxima de Figueiró dos Vinhos, a família Bebiano, de Castanheira de Pera, os Dordio, do distrito de Évora, os Raposo, abundantes no litoral alentejano, ou todos os Sás e Carneiros originários do Porto. Quanto aos nomes próprios, atribuídos às crianças no batismo ou, mais recentemente, ao serem registadas como cidadãs da República logo à nascença, conheceram uma evolução significativa em Portugal nos últimos dois séculos. Há já quem seja especialista no tema, pelo que me limitarei a um breve resumo ligado a impressões individuais.
A consulta de registos paroquiais do final do século XIX e início do XX dá a entender que, além do uso de vários nomes e apelidos ser então uma prerrogativa de gente com posses, o conjunto de antropónimos correntes entre as classes populares era bastante limitado. A escassez de nomes próprios, transmitidos com frequência de geração em geração, terá contribuído para a multiplicação de alcunhas, algumas das quais se transformaram em apelidos, a exemplo do que sucedeu em 1922 com José Saramago. O catolicismo predominante em Portugal, com manifestações como a expansão do culto mariano (“Maria de Fátima” e “Maria de Lurdes” tornaram-se combinações habituais), revelava-se a influência mais comum na escolha dos nomes dos recém-nascidos. José e Maria eram em meados do século XX os antropónimos mais frequentes no país, enquanto os nomes dos santos mais venerados, entre eles João, Pedro, Miguel e António, espalhavam-se na população masculina. Algumas mulheres eram conhecidas por nomes que hoje é difícil imaginar sem a palavra “dona” a antecedê-los, como Elvira, Isaura, Lucília, Eugénia, Benilde, Laurinda ou Clotilde. A pouco e pouco, os gostos em matéria de nomes foram-se modificando e, após o 25 de Abril, a mudança também passou pelos registos civis. Essas inovações não se verificaram sem protestos: relembre-se o desprezo dos letrados pelas “Cátias Vanessas” da periferia foleira ou, no início dos anos 80, a preocupação de António Variações com a decisão da sua amiga Maria Albertina de chamar Vanessa à filha.
Numa época de crescimento da cultura de massas, as origens da nomenclatura dos jovens portugueses passaram a provir de fontes tão diversas como as telenovelas brasileiras ou os cantores mais vendidos. Muitos Marcos terão sido nomeados entre 1978 e 1985 enquanto os pais ouviam na rádio uma voz a entoar “Ninguém, Ninguém” ou “Morena, Morenita”, mas havia também quem se inspirasse em vedetas espanholas ao acompanhar o sucesso de Julio Iglesias e Sarita Montiel. Quando cheguei à escola, no início dos anos 90, havia já um declínio nas Marias e os Josés, Mários, Manuéis, Antónios e Joaquins pareciam ter passado à história. Os nomes mais comuns nos rapazes que frequentavam os nove anos da escolaridade obrigatória eram os breves Nuno, Bruno, André, Diogo, David, Tiago, Jorge, Pedro, Nelson, Ricardo… Já entre as raparigas, havia imensas Anas (“Ana” seria o nome feminino mais escolhido pelos novos pais da transição do século até “Maria” retomar o trono em 2005 e lá permanecer), Andreias, Catarinas, Cátias, Filipas, Patrícias ou Veras. Certos pares de nomes, como João/Joana ou Luís/Luísa, parecem não terem conhecido nem subidas nem descidas significativas na sua popularidade. Para horror da geração que anda agora pelos trintas, o século XXI traria novas mutações nos nomes das crianças, que nasciam em cada vez menor número. Em primeiro lugar, “nomes betos” (Benedita, Bernardo, Gonçalo, Lourenço, Salvador, Santiago, Tomás, etc.), geralmente com mais de duas sílabas, difundiram-se entre a classe média como fogo na pradaria. Ao mesmo tempo, muita gente mergulhou nos livros de História para regressar ao Portugal medieval, fazendo descer das montanhas uma horda guerreira de indivíduos chamados Afonso, Constança, Dinis, Duarte, Leonor, Martim, Matilde e Sancha, entre outros. As salas de aula ter-se-iam transformado numa crónica de Fernão Lopes se novos antropónimos não começassem a chegar às escolas vindos da Ásia, de África, do Brasil ou da Ucrânia e criassem inesperadas misturas.
Os efeitos das alterações das últimas décadas começam a ser particularmente visíveis no espaço mediático. É certo que tem havido também uma tendência neocatólica presente em fenómenos como o retorno em força das Marias ou a proliferação de Franciscos ligada à popularidade do atual Papa. Contudo, quando um futebolista de 18 anos chamado Martim Fernandes atinge a equipa principal do FC Porto ou um jovem Sebastião Bugalho ascende à ribalta política, percebe-se que uma nova geração de celebridades com nomes caraterísticos do seu tempo prepara-se para assumir o controlo do país. Entretanto, a extrema-direita, liderada por um André filho dos subúrbios dos anos 80, entra em pânico ao ler listas de alunos do 1.º ciclo onde escasseiam os antropónimos brancos, cristãos e previsíveis do passado. Certas pessoas não compreendem que os nomes são fascinantes porque estão em perpétua mutação, com realidades diferentes a terem de ser designadas por palavras diferentes. Quantos nomes caberão no nome de Portugal?