Como ser um líder do século XXI
Calibre o discurso: Os líderes que não sabem qual é a capital da Turquia e dizem que a polícia deveria matar mais gente foram certamente importantes para transformar o paradigma da liderança num sentido positivo. No entanto, o futuro pertence aos Vances, líderes que defendam basicamente o mesmo que os pioneiros, mas tenham modos à mesa e façam o sujeito concordar com o predicado. Assuma-se como representante dos “moderados” e condene todos os “extremismos”. Fale muito do “wokismo” e das “elites” que “não sabem” o que “sente” o “cidadão comum”. Na prática, isto implica que você pague a uma equipa especializada para vasculhar as redes e detetar os grupos sociais, étnicos ou profissionais mais impopulares. A partir da seleção feita, ataque os alvos do desprezo coletivo, salientando que os políticos do “centro” não devem conceder aos “extremos” o monopólio de determinados temas. Tenha, porém, algum cuidado ao criticar os inimigos do povo. Frases como “Vamos banhar-nos no sangue deles” são um pouco exageradas, embora possa depois explicar que se tratou de uma ironia não compreendida pela “extrema-esquerda”.
Seja um herói, pise uma vítima: A nossa sociedade adora heróis e detesta vítimas. É certo que um herói tem necessariamente de se vitimizar, mas apenas para mostrar logo a seguir a sua vitória sobre aqueles que pretendiam tramá-lo. Já uma vítima que continua a ser vítima todos os dias não merece consideração, até porque é sempre suspeita. Sabe como é: se nos aproximarmos de um pedinte para lhe darmos uma moeda, ele pode aproveitar para encostar uma navalha à nossa garganta e roubar todo o dinheiro que trazemos. Lute contra as vítimas com todas as suas forças e ignore os gemidos. Um dia poderá fazer desfilar pelas ruas centenas de vítimas acorrentadas umas às outras. As pessoas, ou melhor, as pessoas certas vão adorar ver a cena e votarão em si.
Não seja Guterres: Esta é a regra mais importante. O secretário-geral da ONU faz lembrar aquele tio sóbrio que todos temos que diz durante os jantares de Natal que devíamos viver em paz e harmonia o ano inteiro. Que histórias engraçadas é que uma pessoa assim tão chata fornece? Nenhumas. António Guterres gosta demasiado de vítimas e passa o tempo a recomendar compaixão por quem sofre e a falar como se os líderes do século XXI tivessem de limitar as suas ações com base em normas morais impostas pelo tal deus em que ele acredita. O resultado é que Guterres acaba a fazer sucessivos apelos ao bom senso que ninguém ouve. E todos devem ouvir o que você diz, mesmo que lhe respondam com insultos.
(Fonte da imagem: Sofia Afonso Ferreira)
Mostre os músculos: Seja homem ou mulher, tem de passar sempre a imagem de um verdadeiro macho. Demonstre certeza absoluta em tudo o que afirma, mesmo que amanhã as suas convicções sejam as opostas. Trate os seus adversários como lixo não reciclável e acuse-os de “radicalismo” e “mau perder” se não fizerem tudo o que deseja. Prometa que vai “combater o crime” como se fosse um super-herói e garanta que atuará “sem dó nem piedade” para punir os marginais e defender as populações. Mantenha-se sempre bem vestido e penteado, a não ser que tenha de ir ao terreno “supervisionar” o combate a uma tragédia. Nessas situações, limite-se ao vestuário prático de um homem/uma mulher de ação e, se possível, tire fotografias ao lado dos heróis a sério. Além disso, nunca admita erros, peça desculpas, revele que tem dúvidas ou tema ofender alguém. A empatia é uma doença, você é a cura.
Estes conselhos auxiliá-lo-ão a comportar-se como um verdadeiro líder do século XXI, um durão (mas não Barroso) defensor de uma “sociedade aberta” e tolerante, mas implacável com quem não seguir os “nossos valores”. Quanto às razões porque você quer ser isso, até pode ser o mais interessante, mas já não é connosco.