Nas décadas de 70 e 80, o tecido associativo da Pontinha conheceu um acentuado dinamismo, respondendo à veloz expansão da povoação suburbana que seria elevada a freguesia em 1985. Coletividades como o Clube Atlético e Cultural, o Clube Recreativo Pontinhense e a União Desportiva da Pontinha visaram preencher os tempos livres da vasta população jovem do território, que deveria encontrar no desporto um possível desvio da crescente ameaça da toxicodependência. Para lá das atividades desportivas, os clubes pontinhenses tentavam estimular a cultura através de iniciativas como a criação de bibliotecas ou a organização de espetáculos. Para enfrentar a carência de equipamentos públicos na localidade, onde pouco mais existia além do polidesportivo descoberto da Praça de S. Bartolomeu, inaugurado em maio de 1973 e remodelado em 1979, as associações uniram-se por várias vezes para organizar provas em conjunto e reclamar maior atenção das autarquias. No entanto, as boas intenções dos dirigentes esbarravam muitas vezes na falta de recursos e estruturas capazes de resistir aos frequentes conflitos pessoais no interior das coletividades que ditariam o fim de vários clubes da Pontinha. O choque entre o entusiasmo inicial e as dificuldades quotidianas marcou a vida desportiva pontinhense, onde o CAC foi praticamente o único emblema a sobreviver ao refluxo do associativismo no final do século passado, para além dos clubes de bairros como o Vale Grande e o Casal do Rato.
O Clube de Basquetebol Independente (CBI), surgido na Pontinha em 9 de junho de 1981, foi um exemplo de várias destas tendências. Entre os fundadores da associação, encontrava-se José Lopes, antigo vice-presidente da União Desportiva da Pontinha, onde desenvolvera projetos de atividades culturais frustrados pela escassez de financiamento autárquico à UDP (O Notícias de Loures, 01-02-1983). Tal como o seu nome indicava, o CBI especializou-se nos escalões de formação de basquetebol, aproveitando as condições do Parque de S. Bartolomeu para a prática da modalidade. Logo na época de 1981/82, equipas de juvenis e iniciados de ambos os sexos representaram o clube nos campeonatos regionais. Basquetebolistas pontinhenses disputaram também torneios organizados pela Direção-Geral dos Desportos ou por entidades particulares como a revista Basket. Um balanço do primeiro ano e meio de atividade do CBI referiu ainda as aulas de patinagem lecionadas aos domingos a crianças até aos 10 anos, bem como as classes infantil e feminina de ginástica. Simultaneamente, o clube dinamizava atividades culturais para os mais novos como música, desenho, fantoches, cinema didático ou visitas a museus, além de organizar festejos dos Santos Populares e criar uma pequena biblioteca pública (Vento Novo, n.º 80, Dezembro de 1982). Nessa altura, o CBI realizou uma festa de Natal que incluiu um sarau dos ginastas infantis e um espetáculo de fantoches dirigido por Adelina Peixoto.
A nova agremiação procurou distinguir-se pela organização de eventos musicais, como o I Festival da Canção Infantil da Pontinha, realizado em 10 de abril de 1982 com a participação de 19 jovens cantores. A 30 de julho desse ano, o Grupo de Danças do CBI atuou num novo espetáculo, “Prata da Casa”, promovido pelo clube na Praça de S. Bartolomeu. Depois do concerto, com escasso público e marcado por problemas técnicos, o dirigente José Monteiro queixou-se da falta de apoio da Câmara de Loures para pagar despesas do clube como os 28 contos mensais de renda da sede na Avenida Melo Falcão (O Notícias de Loures, 01-08-1982 e 15-08-1982). Já em dezembro, a direção do Clube de Basquetebol Independente foi recebida pelo vereador José Gouveia, a quem entregou o programa do II Festival da Canção Infantil, mas a edilidade lourense recusou-se a apoiar o evento se este não cumprisse as “diretrizes camarárias”, motivando protestos do clube (O Notícias de Loures, 01-01-1983). Mesmo assim, o festival avançou graças ao empenho de atuais e antigos moradores da Pontinha ligados à música, nomeadamente o empresário António José (que agenciava então artistas como Ana, José Cid e Armando Gama) e os cantores António Moreno e Licínio França.
(Fotografia atual da Praça de S. Bartolomeu)
As 12 canções originais apresentadas ao certame de 2 de abril de 1983 foram escritas por autores como Manuel Rodrigues, professor de canto coral no orfeão do CBI, e o escritor Nuno de Noronha, responsável pela letra do tema “O Básquete É um Ballet”, que seria interpretado por um atleta do clube vestido a rigor. O festival teve lugar nas instalações do Jardim Infantil Popular da Pontinha e foi patrocinado pelo Correio da Manhã e pelo Som Único, um novo jornal musical ao qual António José estava associado. Sob o olhar de várias centenas de pessoas, pontinhenses com idades entre os 5 e os 10 anos cantaram os temas a concurso, antes das atuações de Rute, Licínio França e António Moreno e do anúncio da deliberação do júri, que atribuiu a vitória a Nuno Alexandre, intérprete de uma canção escrita por França. O apresentador do festival, António José, revelou no final que o evento não regressaria em 1984, uma decisão tomada por José e Moreno devido a numerosos conflitos com dirigentes do CBI, onde se vivia um clima “efervescente” (Som Único, 15-04-1983).
Pouco antes, numa assembleia-geral do clube ocorrida em 18 de fevereiro, uma lista única que incluía Manuel José Catatão como presidente e vários familiares de José Monteiro em funções diretivas fora eleita com 31 votos a favor e 10 contra. A 27 de maio, uma nova assembleia-geral do CBI decorreu num ambiente bastante tenso, com trocas de acusações entre dirigentes. O vice-presidente José Monteiro pediu uma sindicância às contas da associação, enquanto o secretário António Carrajola acusou de atitudes “comunistas” o presidente Catatão, que não chegou a intervir na assembleia, concluída com a destituição da direção e a substituição desta por uma comissão administrativa até ao final de 1983. A crise diretiva do CBI acontecia quando as equipas de basquetebol do clube obtinham conquistas como a Taça Record, vencida pelos juvenis masculinos, ou o segundo lugar alcançado no campeonato distrital de iniciadas (O Notícias de Loures, 01-07-1983). Entretanto, numa entrevista, Manuel Catatão desmentiu as acusações de que fora alvo, referiu os 50 contos que emprestara ao CBI (no qual se filiara apenas ao ser convidado para a presidência) e atacou a “família dos Monteiros”, dominante no emblema, tal como António José, o qual responderia a Catatão também nas páginas do jornal O Notícias de Loures. A turbulência pareceu acalmar com o regresso de Catatão, agora com as funções de diretor-geral desportivo do CBI, enquanto os jovens basquetebolistas da Pontinha iniciavam a temporada de 1983/84. No entanto, o Festival da Canção Infantil não voltaria a realizar-se e o CBI desapareceria das páginas da imprensa local sem deixar rasto, ignorando-se o que sucedeu ao espólio da coletividade.
A breve história do Clube de Basquetebol Independente, da qual apenas conhecemos fragmentos que poderão ser completados por eventuais testemunhos de personalidades ligadas ao meio desportivo pontinhense, ilustra a forte procura de iniciativas culturais e desportivas verificada durante os anos 80 na área do atual município de Odivelas, onde as numerosas coletividades então existentes tentavam suprir a carência de espaços e atividades de lazer. No entanto, também revela a debilidade organizacional de muitos clubes da época, dependentes do interesse e do financiamento de um número reduzido de dirigentes e sem massas associativas suficientemente vastas para sustentar as despesas correntes dos emblemas e assegurar a renovação dos elencos diretivos. Manter boas relações com as autarquias, em particular com a Câmara de Loures, na qual Manuel Catatão possuía “conhecimentos”, era considerado essencial para viabilizar o funcionamento das associações. Apesar de todos os entraves, a prática desportiva manter-se-ia ativa na Pontinha nas décadas seguintes, embora numa lógica mais “privatizada” e espontânea, simbolizada pelos equipamentos de ginástica para uso individual que substituíram o antigo polidesportivo da Praça de S. Bartolomeu.
Açores: Durante uma viagem a S. Miguel no Verão de 1991, fiquei hospedado em casa de familiares que possuíam uma estante preenchida por revistas da Disney e da Turma da Mônica editadas desde os anos 60. Atualmente, não sei se me lembro melhor da beleza da ilha ou das páginas de BD que devorei nesses dias.
Barks, Carl: A autoria das histórias com o carimbo Disney raramente era revelada, por isso não sabia nos anos 90 que o americano Carl Barks tinha sido o principal criador do universo da cidade de Patópolis. Na verdade, até sabia, dado que o número 100 da revista portuguesa Tio Patinhas, publicado em Março de 1994, abriu com uma história onde um então ainda vivo Barks recordava como conhecera e começara a desenhar Patinhas e outros personagens. Só ao ler as compilações de histórias de Barks organizadas pela Edimpresa já na década de 2000 compreenderia o génio do “Homem dos Patos”.
Clube dos Heróis: Equivalente patopolense dos Vingadores e da Liga da Justiça no qual os super-heróis Disney enfrentam vilões como o prof. Gavião, sob a liderança do Vespa Vermelha. O Vespa é uma personagem singular por se tratar de um humano e nunca conhecermos a sua identidade secreta.
Disney Especial: O conceito de uma das revistas de maior sucesso comercial da Disney, quer no Brasil quer em Portugal, assentava na compilação de histórias unidas por um tema comum: Circo, Natal, Balbúrdia, Os Primos, Os Amigos, Os Heróis, Os Músicos, Os Aviadores e por aí fora.
Estereótipos: Olhando agora com atenção, reparamos que as histórias mais antigas da Disney estão repletas de ideias feitas sobre as mulheres, associadas a uma imagem de futilidade. A pouco e pouco, o perfil feminino típico nas vinhetas foi-se alterando através de uma Minie ou uma Margarida crescentemente emancipadas. São também comuns clichés relativos a países situados na Ásia, África ou América Latina.
Fuinha: Também conhecido por Escovinha, auxilia Bafo-de-Onça nos planos criminais frustrados por Mickey e Pateta.
Gastão: O pato mais sortudo do mundo, criado por Barks. A inveja do sucesso fácil do primo contribui para deteriorar a saúde mental de Donald.
Horácio: Um cavalo que integra o núcleo de Mickey e é uma das poucas personagens a desempenhar uma profissão fixa, na qualidade de dono de uma oficina de reparação de eletrodomésticos. Às vezes cansa-se e procura fazer algo mais estimulante, mas retorna sempre à sua vocação.
Irmãos Metralha: Os três manos que tentam assaltar a caixa-forte do Tio Patinhas constituem a representação mais comum da família criminosa, mas, além das aparições do patriarca Vovô Metralha, vindo do tempo de Barks, os argumentistas da brasileira Editora Abril acrescentaram inúmeros membros do clã com as respetivas alcunhas: Azarado, Bombinha, Cientista, Intelectual, Pavio Curto, Piuí, Soneca, Zero, etc., etc.
Jornalismo:A Patada, o jornal diário do Tio Patinhas, é redigido por Donald e Peninha, sucessivamente despedidos e readmitidos pelo patrão. Com poucos leitores, tenta ultrapassar o concorrente A Patranha ao inserir pranchas de BD nas quais Peninha desenha os seus vários alter egos. No final do século XX, Margarida também seguiu a carreira de jornalista, trabalhando na Patada ou na revista feminina A Patinha, outro periódico do grupo de Patinhas.
Kiosk: Forma da palavra “quiosque” usada quando eu era miúdo por alguns pontos de venda das revistas da Disney e da restante imprensa.
Lina: Nome de uma já desaparecida papelaria de Odivelas, propriedade do antigo futebolista leonino Joaquim Carvalho, cuja montra expunha as capas das revistas Disney, juntamente com as dos periódicos ligados à Marvel, à DC Comics e a outras linhas de produção de BD. As publicações que eu lia eram, no entanto, geralmente compradas (obrigado, mãe) na papelaria Santiago, que ainda sobrevive, embora com outra gerência e num espaço mais reduzido.
Melhores Histórias, As: Uma das várias publicações Disney à venda no mercado português durante a década de 90 que reuniam episódios em torno de um tema ou personagem. Assumiu, no entanto, a particularidade de a dada altura as histórias serem supostamente escolhidas por uma celebridade (Marco Paulo, Maria Vieira, Herman José e José Jorge Duarte foram quatro das figuras surgidas na capa de As Melhores Histórias) que assinava ainda um curto texto de abertura da revista.
Nuvens: Muitas delas, geradas pela erupção de um vulcão, surgem numa história do Tio Patinhas (peço desculpa, mas não me lembro do título) publicada num dos primeiros números de Hiper Disney e que inclui ideias preciosas, como um arrefecimento global da Terra, o recurso de Patacôncio à desinformação para virar a opinião pública contra Patinhas ou um inesperado twist no fim.
Olímpia: Uma desportista que faz parte do grupo de Pata Lee e dos seus amigos, formado por cinco adolescentes moradores em Patópolis. Quem não leu as revistas Disney dos anos 80 não imagina do que estou a falar.
(Fonte das imagens: Patrícia Entlein Morgana)
Poder local: O mayor, prefeito ou presidente de Patópolis, dependendo do local de edição da revista, é geralmente um porco vestido de fato e gravata, visível sobretudo em inaugurações e entregas de prémios.
“Quac!”: Interjeição utilizada pelos patos da Disney para expressar choque, surpresa ou indignação.
Ranulfo: Rato alto e bigodudo que usa truques para tentar sabotar a relação de Mickey e Minie.
Série Ouro Disney: Coleção de cinco revistas lançadas no Brasil em 1987 que, além de republicarem algumas histórias antigas, apresentaram os seguintes cenários oníricos: o casamento de Donald e Margarida, Pateta transformado num novo Sylvester Stallone, Zé Carioca milionário, Madame Min e Mancha Negra juntos e Peninha no cargo de “prefeito” de Patópolis.
Tio Patinhas: Com a sua avareza, a exploração a que submete os seus trabalhadores e o objetivo da mera acumulação de riqueza sem investimento produtivo, o pato escocês parece um retrato do típico empresário feito por um anticapitalista (não era o caso de Carl Barks). Contudo, Patinhas entra na categoria dos “bons” através do confronto com as personagens que querem roubá-lo e da manutenção de alguns princípios morais que os seus rivais nos negócios não partilham.
Urtigão: Velho caipira irascível que recebe a tiro (personagens de BDs infantis a usarem armas... que barbárie, aos olhos de hoje) Donald e Peninha quando eles se aproximam da sua casa na esperança de o entrevistarem para A Patada. Mais tarde, teria a sua própria revista, focada nos choques culturais entre a “roça” e a cidade. Hoje em dia, Urtigão parece uma caricatura de Lula da Silva.
Vovó Donalda: Dona de uma quinta, que explora com a ajuda do comilão e preguiçoso Gansolino, é o estereótipo da avó, excelente cozinheira e carinhosa com os pequenos Huguinho, Zezinho e Luisinho.
Xurupita, Vila: Bairro do Rio de Janeiro onde moram Zé Carioca e os seus amigos. Durante a ditadura militar brasileira, a Vila Xurupita era assumidamente uma favela composta por barracas, passando depois a ser retratada como um subúrbio de casas simples mas dotadas de condições básicas de vida.
Zé Carioca: Entre as décadas de 70 e 80, autores como Ivan Saidenberg e Renato Canini traçaram as caraterísticas definitivas deste papagaio bem brasileiro, que sobressai no universo da BD Disney pela sua ambiguidade moral. Pobre e alérgico ao trabalho, tenta sobreviver através de burlas e esquemas, os quais fracassam sempre, é certo, mas de que nunca desiste nem se arrepende. Um tomo da portuguesa Edição Extra reuniu diversas histórias da personagem, entre elas a célebre série publicada no Brasil ao longo de vários números da revista Zé Carioca que termina com a revelação da identidade do chefe da Anacozeca.
A campanha eleitoral para as legislativas de 2015 foi a primeira de que me recordo a ser marcada por acusações de radicalismo (“Tu és um radical!”/“Não, tu é que és um radical!”), trocadas sobretudo entre o PS e o PSD, partidos que até pouco tempo antes dificilmente seriam associados a discursos disruptivos. No entanto, a temperatura política aquecera durante os anos da troika, entre o programa “reformista” de Pedro Passos Coelho e o receio da direita, após o afastamento do inofensivo António José Seguro, de que o PS costista se aproximasse do PCP e do Bloco de Esquerda, na senda do “espírito da Aula Magna” libertado por Mário Soares. Depois da Geringonça se tornar real, um coro de comentadores lamentou a radicalização do PS e a suposta traição de António Costa, o novo Afonso Costa, à moderada linha soarista de recusa de alianças com os outros partidos de esquerda. À medida que o tempo passava e Mário Centeno ascendia à presidência do Eurogrupo, o discurso da transformação de Portugal na nova Venezuela tornou-se cada vez menos credível, sendo arrumado no sótão à espera de uma eventual nova utilização. Por volta de 2018, quando o PAN de André Silva começou a morder os calcanhares do CDS nas sondagens, o radicalismo dos animalistas surgiu na ordem do dia. O IRA era então tratado como uma organização terrorista, anos antes da televisão acompanhar em direto as suas operações de resgate de animais ameaçados por cheias ou incêndios.
Na década de 20, o espetro do wokismo veio assombrar o Observador e outros jornais. De facto, o discurso woke assumiu proporções significativas em países como os EUA e o Reino Unido ao integrar a tendência global de expansão da intolerância. No entanto, qualquer história desenrolada numa cidadezinha americana ou no condado inglês de Whathefuckshire era agora apontada na imprensa portuguesa como um sinal do iminente fim do mundo. Poucas manifestações do fenómeno woke eram visíveis a olho nu em Portugal, como o próprio João Pedro Marques reconheceu, mas todos estavam certos de que elas surgiriam. Afinal, o wokismo era supostamente uma mera reconversão da esquerda radical, que abandonara a luta de classes para se concentrar em determinadas minorias, ignorando o “povo” e promovendo tensões sociais com o objetivo de derrubar o capitalismo. Hoje em dia, os wokes lusos estão em todo o lado: nos circos, nas igrejas, nos cinemas, nos estádios, nos autocarros, nas universidades, nas charcutarias, nos ranchos folclóricos… Numa época em que o PCP só tem quatro deputados, o papão do comunismo não assusta muito, mas os wokes, agora infiltrados na direção do PS, constituem uma ameaça tenebrosa. Ou pior ainda: uma ideologia, cuja neutralização justifica qualquer excesso. De resto, já ninguém sabe bem o que é o wokismo. Portanto, tudo o que não seja o elogio da “masculinidade” pode ser designado dessa forma.
(Fonte da imagem: Enciclopédia de Cromos)
A política é, naturalmente, influenciada pelas tendências do mercado e, desde que as “perceções” e a indignação vendem, os media e os partidos confecionam-nas em grande escala. O sucesso do Chega e da Iniciativa Liberal estimulou vários políticos da direita tradicional a alterarem os temperos dos seus discursos. Por exemplo, Carlos Moedas, depois da gaffe cometida ao admitir a edificação em Lisboa de um monumento a Vasco Gonçalves, descobriu o 25 de Novembro e, entre homenagens aos militares do lado “bom” falecidos nos confrontos de 1975, afirmou-se também ele como o rosto dos “moderados” contra os “extremismos”. Avesso ao extremismo de direita, presume-se, mas sobretudo ao de esquerda, mencionado muito mais frequentemente pelo autarca da capital e ligado a qualquer proposta nociva ao ego moedista. Desde então, mas sobretudo depois da eleição de 50 deputados cheguistas, os políticos “moderados” têm brotado como cogumelos. Afinal, nas palavras do antigo maoista Durão Barroso, as elites europeias ignoraram as “classes trabalhadoras”. Enquanto não há pão, os governantes sérios e responsáveis devem satisfazer a plebe com abundante circo, atirando os wokistas aos leões e transformando os contactos entre a polícia e os imigrantes em combates de gladiadores. Se alguém estranha que nesses combates apenas um dos lados esteja armado, é porque se trata de um extremista. Os extremistas aumentam de dia para dia e é previsível que, ao longo de 2025, o PS se torne cada vez mais radical. Até alguma direita, influenciada pelo pensamento woke do antigo líder extremista Sá Carneiro, cede ao canto de sereia do radicalismo. Urge aniquilá-la na arena para gáudio das “pessoas comuns”, aquelas que estão lá, e sentem, e sobretudo votam.
Há muito que entrámos num ambiente orwelliano (ah, George Orwell, esse autor de referência da direita “moderada”) onde as palavras perdem o seu significado e ganham novos sentidos opostos ao original, de acordo com os interesses políticos do presente. Assim, o melhor que temos a fazer é ignorar as avaliações acerca daquilo que dizemos. Sejamos radicais ao pequeno-almoço, moderados ao almoço, moderadamente extremistas com chá e torradas e radicalmente moderados à hora do jantar. Odiemos com moderação e amemos com extremismo. De qualquer forma, todos nós seremos radicais ou moderados um dia, a partir da perspetiva de quem opere o radicalómetro nesse momento.
Objetivos da Associação de Cronistas de Odivelas (ACO):
1. Possibilitar o encontro e troca de ideias entre escritores de não-ficção naturais ou residentes no território do município de Odivelas.
2. Criar um espaço digital, localizado ou não numa rede social, onde se encontrem sempre disponíveis em livre acesso os textos dos associados da ACO.
3. Promover o debate acerca da realidade do concelho de Odivelas sem limitar a discussão a questões locais.
4. Contribuir para atenuar o vazio mediático existente no município, sempre deixando o jornalismo para os jornalistas profissionais.
5. Investigar e divulgar a escrita de artigos de opinião por figuras odivelenses ao longo dos séculos XX e XXI.
6. Gravar na Casa da Juventude ou noutro estúdio o podcast Colunas do Cruzeiro, composto por entrevistas a membros da ACO que reforcem a divulgação do trabalho destes.
7. Distinguir com o estatuto de Sócio Honorário colaboradores da imprensa ligados ao concelho, como Jorge Leitão Ramos ou Ricardo Paes Mamede.
(Fonte da imagem: João Lima)
8. Lançar, em parceria com autarquias ou estabelecimentos de ensino do município, o Prémio Nuno de Noronha, destinado a jovens revelações na escrita de crónicas.
9. Editar pequenos livros ou brochuras contendo alguns dos melhores textos escritos pelos associados.
10. Estimular o debate político entre as diferentes forças partidárias representadas nos órgãos autárquicos, particularmente fora dos períodos eleitorais.
11. Apoiar a divulgação cultural através da publicação de artigos escritos por odivelenses sobre música, cinema, literatura, banda desenhada e outras artes.
12. Procurar garantir o financiamento da ACO, além das quotas pagas pelos associados, através de apoios de entidades públicas ou privadas.
13. Partir da memória do anterior dono da sigla ACO, o Atlético Clube de Odivelas, para estudar a história da atividade desportiva no concelho, apelando à partilha de memórias pelos leitores do espaço digital da associação.
14. Permitir a colaboração de cronistas de extrema-direita e depois impedir que eles tomem conta da ACO.
15. Transitar da minha imaginação para a realidade.
Artur Corvelo: O protagonista de A Capital parte para Lisboa em busca da glória literária, mas apenas soma desilusões. Trata-se de uma personagem comovente pela sua ingenuidade e pela contínua busca do afeto que praticamente nunca recebe.
Branco, Camilo Castelo: Num artigo escrito por volta de 1997 para a revista 20 Anos, José Eduardo Agualusa afirmou que é como gostar de cães ou de gatos: quem admira Eça de Queiroz não costuma apreciar Camilo. De facto, sempre fui mais da claque de Eça, criador de personagens de carne e osso e não de Simões ou Teresas. Porém, no ano do bicentenário do nascimento de Camilo Castelo Branco, talvez seja altura de redescobrir o autor famalicense de adoção, capaz de fazer coisas incríveis com a língua portuguesa.
Comer: Poucos autores dão tanta atenção como Eça ao prazer da boa comida e bebida, com refeições épicas narradas em sucessivas obras. Por exemplo, o Jacinto de A Cidade e as Serras começa a apaixonar-se por Portugal ao experimentar o vinho e a culinária da sua pátria.
Dâmaso Salcede: Foi António Sérgio a reparar em 1940 que, enquanto poucas pessoas conhecem alguém semelhante ao conselheiro Acácio, o perfil de Dâmaso, com a sua bazófia, cobardia, ignorância, pose de garanhão e ambição de ser “um ruminante farto e feliz”, ajusta-se a muitos homens portugueses.
Exagero: Estudiosos do século XIX português como Rui Ramos e Maria Filomena Mónica têm apelado à prudência de não tomar por um retrato fiel a caricatura do Portugal do seu tempo feita por Eça, injusta em aspetos como a baixa qualidade dos políticos ou a suposta estagnação do país, envolvido numa fase de dinamismo sob o governo de Fontes Pereira de Melo. A mesma cautela desaconselha a habitual avaliação das criaturas queirosianas como portugueses intemporais e possíveis de encontrar ao virar da esquina. Contudo, elas surgem tão naturais e verosímeis nos livros que a tentação é quase irresistível.
Futebol: Uma personagem de Os Maias menciona que o desporto surgido em Inglaterra ainda não existe no Portugal de 1876.
“Gente nasceu, gente morreu”: Existirá um melhor resumo da passagem do tempo que esta frase do último capítulo de Os Maias?
Humor: Quando Eça pretende ser engraçado, é engraçado a sério, quer nas crónicas quer nos romances.
Ilustre Casa de Ramires, A: Não há nada de inepto neste romance, seja a política local, o livro dentro do livro ou o paralelismo entre Gonçalo Ramires e Portugal, mas a obra não costuma provocar grande entusiasmo nos leitores atuais.
José Matias: Personagem que dá nome àquele que é talvez o conto mais interessante de Eça, cujo protagonista mostra uma incapacidade desconcertante de fazer o amor evoluir do sentimento para a prática.
Korriscosso: Poeta grego a trabalhar como empregado de mesa em Londres, retratado no conto “Um Poeta Lírico”.
Lisboa: Apesar das incursões de Eça por outras regiões portuguesas ou pela distante Pequim, esta é a cidade que o escritor poveiro melhor descreve, traçando um autêntico roteiro da capital do então reino na segunda metade de Oitocentos.
Maias, Os: O melhor romance da história da literatura portuguesa.
Negro: Cor das sotainas vestidas pelos padres católicos que Eça tão bem desenha como um grupo de hipócritas e interesseiros, sustentados pelo Estado monárquico ou pela titi Patrocínio e por outras beatas. No entanto, paradoxalmente ou talvez não, figuras como o abade Ferrão (O Crime do Padre Amaro) ou o padre Soeiro (A Ilustre Casa de Ramires) dão a entender que a Igreja poderia ser diferente e um conto queirosiano termina com Jesus a dizer “Aqui estou” no lugar onde era menos esperado.
Odivelas: A povoação saloia é referida por Carlos da Maia num jantar com Maria Eduarda em que evoca as aventuras amorosas de D. João V “na cela da madre Paula”.
Pais: Quem precisa deles? Segundo Eça de Queiroz, ninguém.
Queirosiana: Henrique Raposo costuma queixar-se de que Eça instituiu a narrativa, repetida ao longo das gerações pelos seus seguidores dentro das “elites” letradas (como Vasco Pulido Valente), da “choldra”, ou seja, de um Portugal sempre atrasado e decadente onde nada funciona. Na verdade, os portugueses que se dedicavam a essa generalização negativa sem nada fazerem para melhorar o país foram um alvo da pena do diplomata. A crítica queirosiana é dura, mas nunca cai no cinismo ou no desespero.
República: Apesar das farpas lançadas por Eça ao rotativismo e à monarquia constitucional, não é claro que tipo de sistema político o escritor gostaria de ver implantado no seu país. O romancista diverte-se, todavia, a satirizar o idealismo dos românticos defensores de uma vaga “democracia” da qual resultaria o fim de todos os males.
Sebastião: Amigo de Jorge e Luísa em O Primo Basílio, destaca-se na galeria queirosiana simplesmente por ser um homem decente no meio de imensos sujeitos ridículos ou desprezíveis.
Tragédia da Rua das Flores, A: Um romance inacabado, publicado apenas em 1980, que serve sobretudo para observar o desenvolvimento de várias ideias mais tarde usadas em obras como Os Maias e A Capital.
Universidade de Coimbra:Alma mater de Eça de Queiroz, recordada pelo escritor sem saudades.
Virgínia Sarmento Amado Abranhos: A esposa de Alípio Abranhos ganhou, curiosamente, maior espessura psicológica ao ser interpretada por Sofia Alves na série da RTP escrita por Francisco Moita Flores a partir do livro póstumo de Eça O Conde de Abranhos.
Xutos & Pontapés: Banda autora da canção “Toca e Foge”, que inclui o verso “Alguém que amaste sem saber o nome”, uma referência ao romance A Capital e à paixão de Artur Corvelo por uma misteriosa senhora vestida de xadrez.
Zagalo: Narrador de uma biografia do seu antigo patrão onde qualquer frase elogiosa causa uma impressão oposta à pretendida. O legado de Z. Zagalo foi retomado em 2015 por Sofia Aureliano em Somos o que Escolhemos Ser, um livro sobre Pedro Passos Coelho.