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Aí vamos nós outra vez (3)

14) Há um poema de Isidoro Augusto publicado em A Importância da Luz (2008) que parece ter sido escrito a pensar nos apoiantes do Chega: “moldam-se por ventura/às mais simples esferas/o esse outro compasso/de um obtuso surgir/a crença ela mergulha/mesmo antes da cônscia/escolha”.

 

15) “É a economia, estúpido”? A ideia de que os eleitores votam sobretudo “com a carteira” tem tido boa imprensa, mas torna-se cada vez mais duvidosa. Quando era colunista do Público, Rui Tavares dedicou-se a mostrar a liberais e marxistas que muitas vezes as pessoas tomam opções de voto conflituantes com os seus interesses materiais e até sem qualquer explicação racional. Em vários países, o voto parece ser cada vez mais “identitário”, resultando de uma dada maneira de ver o mundo ou pelo menos da rejeição da perspetiva que se abomina. Na atual conjuntura eleitoral portuguesa, é ainda uma incógnita até que ponto o povo lusitano valoriza a situação económica favorável, com dívida, défice e desemprego controlados, de que Joaquim Miranda Sarmento se apresenta como o rosto público. Curiosamente, Miranda Sarmento destaca-se no Governo AD pelos seus problemas de comunicação, ao transmitir sempre a ideia de que recebeu o guião há poucos minutos e ainda não teve tempo de estudá-lo, situação que o leva a falar demais para o gosto de Luís Montenegro. Por várias vezes, o ministro das Finanças tem sido mantido nos bastidores enquanto os colegas mais politicamente tarimbados ocupam o palco. Na verdade, Sarmento reuniu no seu gabinete uma equipa formada por alguns dos melhores economistas nascidos depois do 25 de Abril, mas ignora-se se o trabalho feito no Terreiro do Paço dá nas vistas num ambiente onde os temas económicos, mediaticamente esmagadores antes da pandemia, vão perdendo espaço para as “perceções”. Ainda se lembram de quando aquilo que os portugueses pensavam sobre a realidade era igual ao litro? Bem, hoje o que importa aparentemente não é a frieza dos números, mas sim o calor da eterna chama das emoções.

 

16) Quando Luís Montenegro ainda estava na oposição, referiu-se a um Orçamento de Estado socialista como “orçamento pipi”. Interrogado por um jornalista a propósito da expressão plebeia, o líder do PSD afirmou que “as pessoas” gostavam dessa linguagem e estavam fartas do discurso “politicamente correto”. Ou seja, Luís Montenegro é um daqueles políticos que baixam propositadamente o nível por acharem que assim serão mais populares. Mais tarde, já com Montenegro no Governo, percebeu-se que manter reduzidas as expetativas dos cidadãos é a verdadeira “montenegrização” (neologismo criado agora por Luís). Sem ir tão longe como a venturização, que baixa o mais possível a exigência dos indivíduos acerca de si próprios, a montenegrização visa sobretudo aumentar a tolerância ou a indiferença dos eleitores no que respeita à classe política. Essa já era, de resto, a tendência predominante há muito tempo. Depois de assumir a liderança do PSD em 2022, Montenegro não despertou entusiasmo mesmo entre os comentadores de direita, ainda embeiçados por Passos Coelho. Mas pronto, era o espinhense quem lá estava, ver-se-ia no que aquilo ia dar. Ao longo do ano de governação da AD, a reação mais comum à atuação do executivo, de acordo com as sondagens, foi um encolher de ombros. De facto, mesmo entre os apoiantes da coligação, os ombros continuam a encolher-se depois da eclosão da crise política e da antecipação das legislativas. Alguém compraria uma bicicleta usada a Luís Montenegro? Claro que não, mas a montenegrização em curso torna tudo irrelevante. Mesmo que os nossos não se portem bem, os outros certamente fariam igual ou pior. O PSD usa meios do Governo em iniciativas de campanha? O programa da AD é demasiado otimista e ninguém acredita que seja cumprido? As conferências de imprensa não incluem o direito a perguntas dos jornalistas? Tudo isso é normal, tépido, pacífico, indiferente. Verifica-se a transposição para a política daquilo que Os Três Duques, a série preferida do primeiro-ministro, fez na televisão. Sim, poderia haver histórias complexas e personagens profundos, mas para quê se toda a gente se entretém com perseguições automóveis, cenas de porrada, polícias idiotas, um cacique obeso e uma gaja boa decotada? Preservar o controlo das expetativas faz o carro laranja voar.

 

17) O site da campanha do PS (sob o lema “O futuro é já”) apela à mobilização dos visitantes, de modo a que as redes sociais sejam inundadas por conteúdos favoráveis ao projeto liderado por Pedro Nuno Santos. Para tal, disponibiliza um conjunto de autocolantes digitais com fotografias do secretário-geral e de apoiantes do PS, tiradas sobretudo em eventos partidários recentes e acompanhadas por mensagens expondo as ideias essenciais da campanha (“Pronto para Portugal”, “Quando o PS governa, a vida melhora”, “Junta-te a quem defende Portugal”, “Somos milhões a querer um futuro melhor”, “Portugal é feito de quem acorda cedo e luta”, “Orgulho nas mangas arregaçadas”, “Por um Portugal com amor e empatia”, etc.). Contudo, as palavras raramente combinam com as fotos escolhidas. Por exemplo, a frase “Com o PS, as pensões cresceram” surge como título de uma fotografia em que, durante o lançamento da candidatura autárquica de Manuel Pizarro, Pedro Nuno Santos cumprimenta Tiago Barbosa Ribeiro e outros dirigentes do PS-Porto ainda distantes da idade da reforma. Noutro autocolante, sucede o inverso: os socialistas garantem que “Queremos o melhor para os nossos jovens”, mas, a avaliar pela imagem, não é nos comícios do PS que esses jovens estão.

 

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18) Procuro infrutiferamente estabelecer uma comparação entre as retóricas de Nuno Melo e André Ventura. Dizer o que o primeiro constitui uma versão beta do segundo, além de demasiado óbvio, é inexato: o estilo de Melo não é o de Cascais, antes está ligado a uma certa maneira de ser da gente rica do Norte. Nuno Melo é certamente uma personagem de Camilo, mas não li o romance onde o líder do CDS aparece. Por outro lado, embora ignoremos se os antepassados de Melo combateram por D. Miguel, sente-se que o ministro da Defesa ainda não digeriu bem o resultado da guerra civil concluída em 1834. Certo é que, até há seis anos, a truculência de Nuno Melo era o ponto máximo que o discurso da direita podia atingir, mas, a avaliar pelas europeias de 2019, já nessa altura o registo não obtinha grande popularidade. Digamos que, sempre que entra num povoado, Melo exige de imediato a pousada devida a um fidalgo e evita dialogar com gente da plebe, enquanto André Ventura desce do cavalo, aproxima-se dos “ventres ao sol”, imita a maneira deles de falar, bebe com eles nas tabernas e concorda com tudo o que dizem. Como um aristocrata do Antigo Regime, Nuno Melo está disposto a conduzir a populaça rumo ao campo de batalha, mas usa sempre uma vistosa cabeleira para deixar claro quem manda ali.

 

19) Para lá daquelas pessoas que se gabam de não assistirem a um único debate televisivo entre os líderes partidários, a maioria dos portugueses já se habituou ao formato agora vigente. Até as notas atribuídas aos políticos pelos comentadores de alguns canais noticiosos são consideradas parte do folclore. Resta saber se as audiências dos debates representam um sinal do interesse dos cidadãos pelo processo eleitoral. Esse tipo de afirmação faz recordar a convicção dos programadores de que os portugueses adoram telejornais com mais de uma hora de duração. Afinal, ter a televisão ligada à hora do jantar não é o mesmo que prestar atenção contínua àquilo que se passa no ecrã, muitas vezes transformado em ruído de fundo. Seja como for, os debates são valiosos sobretudo para os partidos mais pequenos, com o PAN e o Livre a aproveitarem para divulgar o seu trabalho parlamentar, geralmente pouco conhecido. Rui Tavares e Inês Sousa Real revelam-se, aliás, mais combativos e empenhados nos despiques verbais do que se previa. Quanto aos outros candidatos, não têm apresentado nada de muito surpreendente, incluindo a habitual peixeirada de Ventura. Falta agora um mês para as eleições. Até ao lavar dos cestos é vindima, pois claro. No entanto, se excetuarmos a saída do PPM da AD, o que aconteceu de verdadeiramente relevante desde a queda do Governo em 11 de março? Apesar do ruído, a política parece hibernar durante as campanhas eleitorais.

 

Aí vamos nós outra vez (2)

7) Pouca gente repara, mas é possível saber no portal do Recenseamento Eleitoral a freguesia na qual se encontra registado qualquer eleitor português, bastando para tal conhecer o nome completo e a data de nascimento da pessoa em causa. Assim, com a ajuda da Wikipedia, conseguimos descobrir onde as celebridades depositam o seu voto na urna. Por exemplo, a atriz Rita Pereira continua recenseada em Carcavelos, a sua terra de origem. Se tiver muito tempo livre, pode passar horas nesta divertida pesquisa.

 

8) A estatística (considerada exagerada por alguns comentadores) segundo a qual o número de imigrantes em Portugal quadruplicou entre 2017 e 2024 põe-nos a pensar naquilo que não aconteceu, à semelhança do êxodo dos “retornados” ocorrido na década de 70. Se uma mudança demográfica tão rápida e profunda afetou o país sem causar mais conflitos e problemas do que os conhecidos, então a integração dos novos habitantes foi um sucesso maior do que se imaginava, provando que a nossa economia desenvolveu nos últimos anos uma forte capacidade de criar emprego, ainda que talvez não nos setores mais aconselháveis. Claro que a chegada de tanta gente a um ritmo tão veloz gerou inevitáveis tensões xenófobas, politicamente aproveitadas pelo Chega e, depois de se compreender o valor do filão, por políticos “moderados” e responsáveis do centro-direita como Durão Barroso, sempre preocupado com a falta de atenção das “elites” europeias à vontade do “povo”. Na verdade, o tema da imigração é valorizado por poucos eleitores, mas quem se preocupa com esse assunto torna-se quase obcecado. De pouco serve relembrar as vantagens económicas e demográficas da vinda de estrangeiros em idade fértil a quem, numa reação compreensível mas não necessariamente correta, apenas quer que o tempo volte (ou vote?) para trás.

 

9) As eleições legislativas portuguesas costumam ser muito paroquiais, ignorando-se durante as campanhas os eventos em curso no resto do mundo. Deste modo, tudo é possível e qualquer proposta é realizável até que, no dia a seguir ao sufrágio, se descobre com estupefação que há um contexto internacional a influenciar-nos. No caso das eleições de 2025, a apreensão generalizada com os efeitos das “trumpalhadas” diárias impossibilita essa atitude de alheamento, mas os acontecimentos globais dificilmente inspirarão as opções de voto. Os eleitores que o PCP perdeu por causa da Ucrânia já renegaram a foice e o martelo há muito tempo e nada mudou desde então. O genocídio em Gaza, para lá da questão de reconhecer ou não o estado da Palestina (demasiado rebuscada para ser posta pelos jornalistas aos líderes partidários), não gera grandes divisões, dado que a violência israelita, tradicionalmente criticada pela esquerda, atingiu proporções suficientes para remeter a direita a um silêncio embaraçado, à exceção do pessoal mais infantil ou lunático. Quanto ao rearmamento europeu, tornou-se bastante consensual, isolando PCP e Bloco no campo da “paz”. Curiosamente, esse tema poderá assumir maior destaque nas presidenciais devido à profissão e ao falconismo de Henrique Gouveia e Melo.

 

10) Jaime Nogueira Pinto costuma dizer, por outras palavras, que aquilo de que gosta no fascismo é que essa ideologia não pretende tornar o mundo melhor e simplesmente aceita a Humanidade como o dejeto sólido que é. De facto, urge compreender que o fascismo traz a liberdade, pelo menos a quem a ele adere. O militante de extrema-direita recebe um novo batismo que o livra de todo o pecado. Nunca mais terá que estudar melhor as questões, ouvir opiniões de quem sabe mais, ponderar diferentes hipóteses, respeitar os sentimentos dos outros ou tratar as pessoas como seres humanos. Adeus, culpa. Adeus, dúvidas. Adeus, ter de comprar rosas no Dia da Mulher. Por isso, pouco importa que nos debates André Ventura revele um discurso pobre, baseado na repetição incessante dos mesmos temas e até das mesmas palavras. Para os eleitores do Chega, Ventura esmaga, arrasa, destrói e extermina sempre. Quanto mais baixo for o nível de exigência, mais fácil é ser um herói.

 

11) Acumulam-se as semelhanças entre o Bloco de Esquerda e a Iniciativa Liberal, a começar pela tendência para uma propaganda mais convencional e “respeitável”. Difundir um cartaz com a palavra “Confiança” ao lado de Rui Rocha é como se, aos 8 anos de idade, a IL tivesse vestido um fatinho para fazer a primeira comunhão. Os perigos enfrentados pelos liberais na sua relação com o PSD são também análogos aos dos contactos entre o Bloco e o PS: se se aproxima demais, a Iniciativa pode receber um abraço de urso, mas caso se afaste muito será alvo de acusações de sectarismo e traição ao seu campo político. As dinâmicas internas de BE e IL assemelham-se na medida em que quem discorda da linha da direção tem poucas hipóteses de sucesso e acaba por sair do partido ou tornar-se irrelevante. No entanto, Bloco e Iniciativa aguardam 18 de maio com diferentes níveis de ansiedade. Enquanto a tribo de Mariana Mortágua corre risco existencial, o povo de Rui Rocha terá apenas de alcançar uns 10 deputados para poder cantar vitória.

 

12) O canal do You Tube Eleições em Portugal (antes conhecido por Banda Sonora das Eleições), responsável pela publicação de canções de sátira política, apresenta vários aspetos curiosos. Desde logo, os temas, cuja conceção denota cuidado apesar de ocasionais tropeções na rima e na métrica, não vêm acompanhados da identificação nem de autores nem de intérpretes. Além disso, embora o criador desconhecido do canal afirme pretender fazer humor a respeito de “todos os partidos”, apenas políticos de esquerda têm sido vítimas de raps, fados ou rocks com letras ácidas. Pelo menos, essas composições possuem mais hipóteses de serem levadas a sério do que o novo hino de campanha da AD (“Deixa o Luís trabalhar”).

 

13) A lista de candidatos da Iniciativa Liberal pelo círculo de Lisboa inclui os odivelenses André Francisco (em oitavo lugar), David Pinheiro e Marta Gamboa. Entretanto, já depois de um plenário de militantes da concelhia de Odivelas, o PSD designou Marco Pina como candidato a presidente da Câmara, numa repetição da escolha de 2021. Convicção de que a vitória é desta ou apenas falta de alternativa? Para já, o PSD, em cuja bancada parlamentar Sandra Pereira busca manter-se, tem coisas mais urgentes com que se preocupar.

 

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(Distribuição de folhetos da CDU na Pontinha. Fonte da imagem: CDU Odivelas)

 

 

 

Aí vamos nós outra vez (1)

(Até 18 de maio, teremos aqui todas as semanas breves notas sobre a campanha para as eleições legislativas, além de uma canção dos Ban)

 

1) As sondagens da empresa Aximage têm sido ignoradas, por razões óbvias: são encomendadas pelo Chega e divulgadas pelo partido na Folha Nacional e nas redes sociais. Contudo, os valores atribuídos por esses inquéritos às diferentes forças partidárias, incluindo o Chega, são verosímeis, com os estudos a apontarem cerca de 20% para a hoste de André Ventura a nível nacional e a preverem um segundo lugar do Chega no círculo de Setúbal, onde alcançaria uma ligeira vantagem sobre a AD. As tendências para a fragmentação da direita e o declínio do PSD na Grande Lisboa poderão levar a uma situação na qual Chega e Iniciativa Liberal tenham em conjunto mais votos que a AD. Simbolicamente, seria um marco importante.

 

2) Os inquéritos de opinião mais interessantes são aqueles que apresentam uma segmentação das intenções de voto por categorias como região, género, rendimento ou faixa etária dos eleitores que cedem alguns minutos do seu tempo às empresas de sondagens (costuma ser menos de um terço dos indivíduos contactados por telefone). É curioso, por exemplo, ver a AD liderar entre os idosos, fenómeno que há apenas dois anos era considerado impossível; afinal, como poderiam os “dependentes” do Estado votar contra o “socialismo”? Também não deixa de ser assinalável que o apoio ao Chega seja maior entre os portugueses nascidos na década de 80. Numa análise por regiões, um olhar atento sobre a Grande Lisboa, pelo menos tal como é delimitada nos estudos, dá sinais animadores para o Livre e aterradores para o Bloco de Esquerda. O regresso à ribalta dos fundadores do BE não deveria significar o recuo do partido para os números de 1999.

 

3) Numa entrevista ao Público, Francisco Louçã recorreu a uma sondagem para tentar provar o dinamismo do BE e, uns dez minutos depois, afirmou estar-se “nas tintas para as sondagens”. Com o avançar da idade, Louçã adquiriu uma memória bastante seletiva, sobretudo no que respeita aos eventos posteriores a 2020, acusando o Governo de maioria absoluta de António Costa de ter sido o “pai” do crescimento do Chega. Pois, aquele Governo que saiu das eleições de 2022, nas quais o Bloco caiu para cinco deputados enquanto o Chega passava de um para 12. Mesmo que o último executivo de Costa fosse tão desastroso como Louçã afirma e tivesse acabado no dia em que o então primeiro-ministro simplesmente se fartou de o ser, isso não explica porque foram os cheguistas e não os bloquistas a capitalizar o descontentamento social. De outra forma, Fernando Rosas, que recentemente acusou o PS de se “fazer de morto” no combate à extrema-direita, já tinha trilhado, no livro Direitas Velhas, Direitas Novas, um caminho de culpabilização dos socialistas e zero de autocrítica do Bloco. “Agora a culpa foi minha, não?!” Não, prof. Rosas, não foi sua. Na verdade, nesta altura do campeonato em que o Chega sonha erguer o troféu, parece ingénuo supor que tudo poderia ser diferente se alguém tivesse entrado pela porta 2 em vez de abrir a porta 1.

 

4) José Cardoso e os outros (desconhecidos) dirigentes do Partido Liberal Social têm tido dias muito ocupados no afã de encontrar candidatos, em particular mulheres, suficientes para o recém-legalizado partido apresentar listas ao sufrágio de 18 de maio, aproveitando a campanha para se dar a conhecer ao público. O projeto do PLS revela-se interessante, quanto mais não seja por ousar retornar ao velho costume de incluir a palavra “partido” no nome e querer ser conhecido por uma sigla. A ideia de uma IL mais moderada, ou uma espécie de Livre da direita, seria importante para contrariar a vaga polarizadora. Contudo, o programa do PLS é ainda vago, abundando em objetivos com que praticamente todos os cidadãos estarão de acordo. No que respeita à saúde, educação e habitação, os liberais sociais defendem a “liberdade de escolha” e acreditam nos efeitos positivos do reforço da oferta. Nesse aspeto, não há grande diferença em relação à Iniciativa, enquanto o restante conteúdo programático pouco clarifica quanto às novidades trazidas pelo cardosismo. Veremos se o PLS consegue pegar no megafone e começar a sua luta.

 

5) Com uma AD surpreendentemente confiante, predomina neste momento a ideia de que a votação de maio deixará o Parlamento idêntico, ou talvez ainda mais inclinado à direita. Os dois meses de campanha seriam assim, como Luís Montenegro os descreveu, um mero parênteses após o qual poderíamos voltar à rotina. É possível, ou então o povo português prepara-se para pregar outra partida aos políticos e comentadores. Um destes últimos, Marcelo Rebelo de Sousa, mostrou-se crente na relevância dos debates televisivos para a definição do sentido de voto da nação soberana. Enfim, não direi que os debates sejam inúteis, sobretudo para os partidos mais pequenos, cujos líderes necessitam de se destacarem mediaticamente. No entanto, fiquei traumatizado pelo debate de janeiro de 2022 entre Rui Rio e António Costa, alvo de uma antevisão televisiva semelhante à de um jogo da seleção de futebol e a seguir ao qual uma parte esmagadora da crítica declarou o triunfo de Rio. Depois viu-se como esse debate influiu na escolha do eleitorado.

 

6) A campanha das eleições autárquicas vai arrancando à mistura com a das legislativas, embora muitos dos candidatos a edis ainda estejam por anunciar. Há pouco tempo, o deputado Bruno Nunes (sim, aquele que um dia André Ventura terá de eliminar), candidato do Chega à Câmara de Loures, deu um salto a Odivelas para abraçar o seu correligionário Fernando Pedroso e filmar um alerta para a ameaça asiática. Nunes tirou algumas fotos com militantes do Chega – Odivelas perto da estação de metro da cidade.

 

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(Fonte da imagem: Bruno Nunes)

 

Personalidades odivelenses (4)

 

Alexandrino, Pedro (1729-1810). O lisboeta Pedro Alexandrino de Carvalho passou muito tempo na sua Quinta do Pintor, perto da Póvoa de Santo Adrião. Orientou outros pintores na chamada Academia do Nu, em Lisboa, e foi um dos artistas portugueses mais prolíficos do século XVIII. Com numerosas encomendas de ordens religiosas, o “pintor dos frades” produziu obras para igrejas como as de Odivelas e Póvoa de Santo Adrião, necessitadas de renovação após os danos causados pelo terramoto de 1755. O nome de Pedro Alexandrino encontra-se numa rua e na escola secundária da Póvoa.

 

Carvalho, Joaquim (1937-2022). Natural do Barreiro, Joaquim da Silva Carvalho trabalhou na indústria corticeira antes de se tornar futebolista profissional, na posição de guarda-redes. Estreou-se como sénior no Luso e transferiu-se em 1958 para o Sporting, representando os "leões" durante 12 anos e ganhando uma Taça das Taças e três campeonatos nacionais, além de vestir a camisola da seleção portuguesa por seis vezes. A partir da década de 60, viveu em Odivelas, onde abriu a papelaria Lina e foi treinador de guarda-redes do Odivelas FC.

 

Castro, Francisco (1915-?). Estafeta de profissão, começou a praticar ciclismo aos 18 anos, numa bicicleta comprada com o dinheiro ganho a vender jornais. O ciclista odivelense representou as equipas do Lisboa Ginásio Clube, Benfica, Desportivo da CUF e Lisgás e venceu provas como o Circuito de Moscavide (1940) e a Rampa do Vale de Santo António (Lisboa) de 1942, ano em que atingiu a segunda posição no campeonato nacional de fundo, antes de deixar de competir em 1944.

 

Dinis, D. (1261-1325). O sexto rei de Portugal escolheu uma propriedade sua em Odivelas como a localização de um mosteiro feminino cisterciense, fundado por carta de 27 de fevereiro de 1295 e consagrado a S. Dinis e S. Bernardo. D. Dinis protegeu a nova instituição monacal, doando-lhe vários bens e isentando-a das normas que limitavam a expansão do património das ordens religiosas. Num testamento escrito em 1322, o Lavrador registou a sua vontade de ser sepultado num túmulo edificado no mosteiro de Odivelas, tal como aconteceria três anos depois. O nome de D. Dinis marca hoje o quotidiano dos odivelenses pela sua presença na toponímia, em edifícios públicos ou em estabelecimentos comerciais.

 

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(Fonte da imagem: Nuno Gaudêncio)

 

Essugo, Dário (2005-). O futebolista Dário Cassia Luís Essugo, filho de imigrantes angolanos estabelecidos no concelho de Odivelas, iniciou a sua formação nos infantis da UDR Santa Maria, chamando a atenção de Benfica e Sporting. Depois de optar pelos "leões", o médio conheceu uma rápida ascensão nos escalões jovens e, com apenas 16 anos, estreou-se em 2021 na equipa sénior orientada por Ruben Amorim. Seria emprestado pelo SCP ao Chaves e ao Las Palmas antes do anúncio da futura transferência de Essugo para o Chelsea na temporada de 2025/2026.

 

Ferreira, António (1651?-1671). Na noite de 10 de maio de 1671, este trabalhador rural de Odivelas entrou na igreja matriz da localidade e roubou os vasos sagrados e outros objetos do culto, numa profanação que causou choque em todo o reino. Preso a 16 de outubro desse ano quando furtava galinhas no mosteiro odivelense, foi descoberto na posse de peças oriundas da igreja, confessando a autoria do roubo de 10 de maio. Apesar dos interrogatórios a que o jovem foi submetido pela Inquisição revelarem que agira embriagado e sem consciência da gravidade do crime, António Ferreira seria executado em Lisboa a 23 de novembro desse ano, num auto-de-fé que encerra a história contada nos azulejos do monumento setecentista ao Senhor Roubado.

 

França, Licínio (1953-2021). Originário da Pontinha, o ator e músico Licínio Conceição de Miranda França gravou vários discos a partir de 1975 e lançou diversos projetos musicais, como um duo formado na década de 1980 com Noémia Costa, então sua mulher. Colaborou na organização do Festival da Canção Infantil da Pontinha em 1982 e 1983. França trabalhou como ator no teatro musical e de revista, bem como em numerosas produções televisivas. Os seus últimos anos de vida foram marcados pela pobreza e pela doença de Alzheimer, falecendo quando vivia num lar em Caneças.

 

Gomes, Diogo José (1913-1931). Depois de estudar no seminário de Santarém, Diogo José Gomes Júnior trabalhou numa loja. Adepto do Sporting, jogou futebol como defesa direito na equipa do Odivelas Football Club, surgida em 1930. O jovem Diogo ficou gravemente doente no Outono de 1931 e faleceu em Odivelas a 8 de dezembro desse ano, com centenas de pessoas a comparecerem no seu funeral. Duas décadas mais tarde, o campo de futebol construído por outro Odivelas FC (criado em 1945) seria batizado com o nome do malogrado Diogo José Gomes.

 

Martins, Jorge (1953-). O professor de História Jorge Carvalho Martins ensinou no ISCE e na escola secundária da Pontinha, que por sugestão sua adotou em 1995 o nome de Escola Secundária Braamcamp Freire. Doutorado em História Contemporânea, Martins investiga temas como a história local de Odivelas, a presença judaica em Portugal ou a ação repressiva da Inquisição. É autor dos livros O Sacrilégio de Odivelas, Subsídios para a História da Pontinha, Portugal e os Judeus e Breve História dos Judeus em Portugal, entre outros.

 

Passos, Manuel do Cabo (1878-1956). Industrial odivelense, aderiu ao Partido Republicano Português, integrando as comissões do PRP no município de Loures e em Odivelas, a cuja junta de paróquia presidiu depois do derrube da monarquia. Foi eleito vereador da Câmara lourense em 1913, ano em que lançou um abaixo-assinado contra a criação de uma fábrica de adubos no Lumiar.

 

Passos, Olga (1915-1982). Filha de Manuel do Cabo Passos e Mariana da Conceição Neves, Olga Passos estudou no Instituto de Odivelas e seguiu a carreira de professora primária. Ensinou em várias escolas do distrito de Lisboa, vindo a tornar-se diretora da Escola Primária n.º 2 de Odivelas (a atual EB António Maria Bravo), então reservada a raparigas. Discursou na festa de inauguração do Campo Diogo José Gomes, em novembro de 1952.

 

Os Plutónicos. Banda rock formada cerca de 1965 por jovens da Pontinha, entre eles o vocalista Gino Garrido, acompanhado por músicos como Vítor Capela, António Fernando Silva ou José Carlos Pimentel. Gravaram em 1967 o seu único disco, o EP Good Bye, My Love, com quatro temas originais. Os Plutónicos atuaram em numerosos bailes e em várias salas de Lisboa e arredores, além de participarem num programa da RTP. Apesar de algumas mudanças na formação causadas pelo serviço militar, mantiveram-se em atividade pelo menos até 1969, com o também pontinhense António José como agente artístico.

 

 

Simas, Frederico Ferreira (1872-1945). Durante a I República, o oficial de artilharia Frederico António Ferreira de Simas, coronel a partir de 1922, foi senador, adido militar em Londres e ministro da Instrução Pública (1914-1915 e 1915-1916) e do Comércio e Comunicações (1925). Professor e membro de vários organismos ligados ao ensino, Simas exerceu entre 1919 e 1941 as funções de diretor do Instituto Feminino de Educação e Trabalho, em Odivelas. Desenvolveu várias inovações pedagógicas no Instituto, cujo ensino infantil e primário abriu às crianças odivelenses.

 

Varges, Manuel (1943-). Natural de Almendra (Vila Nova de Foz Côa), Manuel Porfírio Varges veio para Lisboa ainda adolescente e tirou o curso de Finanças como trabalhador-estudante, tornando-se quadro superior da Rádio Marconi. Após o 25 de Abril, aderiu ao PS, pelo qual seria vereador na Câmara de Loures e deputado à Assembleia da República, onde participou na criação do concelho de Odivelas. Varges assumiu em janeiro de 1999 a liderança da comissão instaladora do município e, após vencer as eleições autárquicas de 2001, foi o primeiro presidente da Câmara de Odivelas, cargo que exerceu durante apenas um mandato.