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Desumidificador

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Como ser minoritário

Ame-se: Os seus adversários estão em superioridade numérica? Isso é óptimo. Se um produto vende muito, só pode ser uma porcaria feita propositadamente para enganar consumidores pouco exigentes. Assim, tem a certeza de que a maioria só é a maioria porque é composta por pessoas mais ingénuas/menos inteligentes/mais submissas/menos sensíveis/mais ignorantes (não risque o que não interessa e some isto tudo) que você, a excepção à regra da acefalia. Esclarecido este ponto, suba ao pedestal que é seu por direito e observe com desdém a multidão lá em baixo. Como eles estão muito longe, não consegue ouvir nada do que dizem para além de um vago sussurro de indignação. Por isso, não precisa de debater, questionar as suas crenças ou sequer fundamentar aquilo que afirma: só tem de gritar para mostrar às formigas quem está certo. Há quem fale do conforto da multidão, mas estar em minoria faz maravilhas pela sua auto-estima.

 

Vitimize-se: Em certos países, vir para a rua criticar o discurso estatal pode fazê-lo ser preso ou viver outras experiências desagradáveis. Aqui em Portugal, contudo, é muito pior. Os carneiros da maioria podem dizer coisas feias sobre si, escrever textos a desmenti-lo, gozar consigo em programas de humor e até reagir com caras vermelhas aos seus posts no Facebook, afrontando o seu direito constitucional a só ouvir elogios ao brilho da sua análise. Em situações destas, recorra à História e faça comparações com ditaduras do século XX. O passado está lá para ser moldado ao nosso gosto e fornecer conteúdo para inúmeras equivalências. Censura, massacres, saneamentos, campos de concentração, gente a dizer que você está errado, é tudo igual. Mas há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não e depois põe o telemóvel a carregar.

 

Flutue: Se quem está no poder segue a opinião da maioria (ou, na sua perspectiva, manipula a maioria), não hesite em atacar as autoridades. Alguns recém-chegados ao minoritarismo acreditam por vezes que têm de apresentar uma proposta alternativa à política oficial, mas isso seria uma absurda perda de tempo. Tudo o que necessita é de salientar que os governantes não conseguem apresentar uma solução perfeita para o problema em causa apenas e só porque não dispõem das qualidades morais e intelectuais que caracterizam a sua personalidade e buscam mais poder, dinheiro ou outro objectivo inconfessado. De resto, criticar tudo evita a necessidade incómoda de tomar posição e correr o risco de perder. Se for preciso escolher um lado, proclame a sua neutralidade e justifique-a com os motivos mais nobres. Assim, poderá pairar tranquilamente sobre os acontecimentos e gozar a convicção de que nunca terá culpa de nada. Enquanto os tontos com bandeiras andam à bulha, você ganha sempre.

 

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Crie o seu próprio mundo: Um dos grandes avanços do século XXI é o fim da obrigação de aceitar uma realidade dissonante das nossas crenças. Os parvos da maioria consomem a informação dos meios de comunicação tradicionais e acham que têm de formar as suas opiniões a partir daquilo. Você é mais esperto e sabe que encontrará algures na Internet a verdade a que tem direito, uma verdade que confirme as suas ideias. Frequente os sites certos e possuirá sempre dados irrefutáveis para esmagar os maioritaristas. Se não partilha as opiniões deles, porque haveria de partilhar os factos? Escolha um facto à sua medida e ande sempre confortável. Caso o ruído dos tansos suba de volume, recorra a uma arma pesada: um especialista. Uma pessoa dotada de um título antes do nome e que, ao contrário dos “avençados” com a mesma profissão, tenha a “coragem” de proclamar a “verdade” “escondida” pelos “poderosos” fornecer-lhe-á material para responder a qualquer crítica.

 

Faça amigos: Apesar de ser orgulhosamente minoritário, encontrará sempre alguém que pense da mesma maneira. Aí é que está a grande vantagem disto tudo. Integre um conjunto de pessoas com ideias semelhantes às suas e faça afirmações de que os outros membros gostem. Procure tornar-se a figura dominante do grupo, berrando mais alto que os outros e expulsando sem piedade aqueles que forem apanhados a ouvir os cantos de sereia do maioritarismo. Com um cuidadoso isolamento do exterior, a sua minoria parecerá uma vastíssima maioria e os ataques de quem está fora reforçarão a união de quem está dentro. Em nome da coesão interna, imponha um pensamento único apto a resistir ao “pensamento único” da maioria. Pense diferente e depois pense sempre igual.