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Francisco, um jovem conservador de direita

No fim de uma crónica onde lamenta a pasmaceira da campanha para as eleições internas do PSD, José Manuel Fernandes queixa-se de que “Infelizmente nem Rui Rio nem Santana Lopes parecem querer ir buscar a Sá Carneiro aquilo que realmente o diferenciava, e que não era a adesão a uma social-democracia que à época significava algo bem diferente do que significa hoje. E o que o diferenciava era a férrea vontade reformista, a coragem de fazer rupturas e acreditar mais nos portugueses do que nas suas elites bem-pensantes e temerosas.” Fernandes pega assim em Francisco Sá Carneiro (FSC), retira-lhe o que não interessa e, tal como outros colunistas, eleva-o a santo padroeiro dos liberais portugueses. As candidaturas em disputa no PSD também não deixam de lado o exemplo do advogado portuense. Pacheco Pereira, guardião do arquivo de Sá Carneiro e um dos homens de Rui Rio, vê no eventual triunfo deste a possibilidade dos “laranjas” virarem ao centro e regressarem aos princípios do fundador, enquanto Santana Lopes, assessor de FSC em 1980, sempre se apresentou como herdeiro espiritual do homem que, entrevistado por Jaime Gama ainda durante a ditadura, negou ser um liberal e identificou-se com a social-democracia.

 

O culto da memória de Francisco Sá Carneiro promovido pelo PSD não parece, à primeira vista, diferenciar-se da veneração que Mário Soares, Álvaro Cunhal e Amaro da Costa (o nome do outro fundador do CDS, Freitas do Amaral, só pode sair da boca dos centristas envolvido por um esgar de desprezo) recebem dos respectivos partidos. No entanto, depois da sua vida digna de uma personagem de cinema e da sua morte envolta em mistério, Sá Carneiro perdura sob uma aura mitológica que dificulta qualquer apreciação objectiva na qual o líder social-democrata não seja necessariamente brilhante e fascinante. Nas últimas três décadas, FSC ganhou a principal utilidade de um fundador morto: podemos fazer com ele o que quisermos. Numa situação semelhante às de Cosme Damião, José Alvalade e António Nicolau de Almeida (sobre os quais ainda resta muito por contar) nos três “grandes”, Sá Carneiro constitui uma personalidade cujo contínuo louvor faz parte da identidade da agremiação por si criada, mas que, no fundo, nenhum dos seus herdeiros está interessado em conhecer tal como foi. 

 

 

Não analisei em pormenor os artigos, livros e discursos de Sá Carneiro, mas o político parece ter sido mais claro ao referir aquilo que não queria (antes do 25 de Abril, a continuação da ditadura; depois do golpe, o comunismo e a tutela militar) do que o modelo exacto correspondente à social-democracia adoptada pelo PPD/PSD. Na verdade, o partido, mais pragmático que ideológico, albergou desde o início gente muito diferente e, apesar das dissidências, entre 1975 e 1978, de grupos mais à esquerda ou descontentes com a liderança de FSC, o discurso “laranja” sempre foi bastante ecléctico e hesitante na hora de se auto-definir. Contudo, ao contrário do que José Manuel Fernandes acredita, o que mudou desde o tempo de Sá Carneiro não foi a social-democracia mas sim o contexto político geral. Numa época de radicalização à esquerda como o PREC, as ideias de FSC pareciam “fascistas” ou conservadoras, enquanto na actualidade, quando o debate social, político, académico e mediático na Europa está bem mais à direita, quem sabe onde o primeiro presidente do PSD estaria? Autores como Rui Ramos e Henrique Raposo escrevem que, na década de 70, o PSD e o CDS não podiam sair do armário e assumir-se como liberais porque estavam reféns da pressão esquerdista do MFA e do PCP. A hipótese de Sá Carneiro ser mesmo social-democrata e Amaro da Costa ser mesmo centrista nem passa pela cabeça dos “discípulos” actuais dos dois políticos.

 

Deixem Francisco Sá Carneiro repousar em paz. Não o invoquem em vão no calor de debates que pouco têm a ver com a realidade de há 37 anos. A direita portuguesa actual foi bem mais influenciada por Paulo Portas e Cavaco Silva que pelos seis anos (com duas breves interrupções) de Sá Carneiro na liderança do PSD. Os liberais já têm em Pedro Passos Coelho um líder eterno e inesquecível, não precisam de reclamar a orientação de quem não os pode desmentir.

 

P.S. Quanto à campanha do PSD, não são, de facto, necessários bombos na rua, como disse Rui Rio, mas podiam fazer algo um pouco mais estimulante do que sessões tépidas de fim de semana e recados nos jornais próximos do partido. Angustia pensar que ainda falta mais de um mês desta sensaboria.

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