Sondemos no mundo
1. As sondagens marcavam o ritmo das campanhas eleitorais antes dessa função ser transferida para as polícias e o Ministério Público. São os inquéritos de opinião que criam expetativas, revelam o que está na moda e o que já não se usa e orientam a produção de “cenários” relativos ao período pós-eleitoral. De uma maneira geral, a comunicação social gosta de quem está a subir (atualmente, o Chega) e despreza quem está a descer. Um bom exemplo foi o de Assunção Cristas: basta comparar as peças televisivas sobre as campanhas da então líder do CDS para as autárquicas de 2017 e as legislativas de 2019 para identificar tons completamente diferentes no discurso jornalístico. Da mesma forma, as intenções de voto orientam os discursos partidários e avivam ou enfraquecem oposições internas e externas. Podem ainda, sobretudo quando os estudos proliferam em vésperas de eleições, contribuir com a sua torrente de detalhes para espalhar a confusão e obscurecer as tendências mais óbvias. Por mais que os políticos afirmem que “as sondagens valem o que valem” ou, nos casos dos candidatos com piores números, que o importante é a “sondagem das urnas”, são na verdade os mais obcecados por amostras, margens de erro, taxas de rejeição, trabalhos de campo ou distribuições de indecisos.
2. Qualquer notícia sobre uma sondagem destaca que as entrevistas foram realizadas ainda antes do caso B, mas já depois do caso A, no pressuposto de que, se as pessoas inquiridas soubessem então do caso B, teriam respondido de maneira muito diferente. Fica subentendido que os eleitores são considerados crianças birrentas que num dia adoram um determinado prato e no dia seguinte recusam comê-lo. É comum, no entanto, que as tendências das sondagens se mantenham bastante estáveis durante algum tempo, sobretudo quando as próximas eleições estão ainda distantes. Por exemplo, a hipótese de um cenário de 2015 ao contrário, com o PS em primeiro lugar enquanto uma maioria de direita domina o Parlamento, já é apontada pelos inquéritos de opinião há pelo menos ano e meio, tal como a descida de divisão do PCP, remetido para níveis de apoio popular idênticos aos de PAN, Livre e CDS (antes deste ser absorvido pela AD). Quando existem mudanças bruscas nos scores dos partidos, isso é em si mesmo uma notícia, como aconteceu com os saltos dados pelo Chega no final de 2019, logo que André Ventura surgiu na Assembleia da República, ou na transição de 2023 para 2024, após o 7 de Novembro. As surpresas eleitorais são construídas geralmente a pouco e pouco, através do combate ideológico nas arenas da opinião pública, e não em reação espontânea a um dado acontecimento.
3. Quando se pergunta numa sondagem se Fulano deve demitir-se em resultado do caso C, a maioria dos inquiridos vai sempre responder que sim. É daquelas perguntas que trazem dentro delas a resposta; se não existissem razões para a demissão de Fulano, ninguém a imaginaria, certo? De resto, as sondagens com perguntas sobre questões políticas concretas tendem a indicar que as pessoas gostam sobretudo de ver em simultâneo sol na eira e chuva no nabal.
4. Existe sempre, sobretudo dentro das fações com percentagens mais baixas nos estudos, quem afirme alto e bom som que as sondagens são pura ficção. Os valores relativos às supostas preferências do eleitorado seriam inventados para favorecer determinados setores políticos, associando-os a uma dinâmica de vitória e distorcendo a perceção dos cidadãos. Quando os votos são contados e o escrutínio não coincide com as previsões feitas a partir dos inquéritos das semanas anteriores à votação, o vencedor proclama o seu triunfo sobre as sondagens e as empresas que as realizam são acusadas de incompetência ou interferência deliberada no ato eleitoral. O mais correto será, porém, afastar o conspirativismo e admitir as limitações dos estudos de opinião, a começar pelo facto de muitos dos indivíduos contactados, por telefone ou presencialmente, pelos técnicos recusarem responder a quaisquer perguntas. As sondagens tornam-se mais falíveis em sufrágios com universos eleitorais reduzidos (regionais, autárquicas), onde qualquer pequena variação de última hora pode alterar o resultado final. Pelo que os sondadores afirmam, os inquéritos sobre preferências partidárias são cada vez menos previsões e mais “fotografias” de um determinado instante, de tal forma é dinâmica e mutável a realidade política. Verificam-se ainda particularidades no trabalho de cada empresa ou instituição que ausculta o sentir do povo, como a tendência das sondagens publicadas pelo grupo do Correio da Manhã para indicar uma maior fragmentação das intenções de voto ou a dificuldade de ICS e ISCTE em encontrar o eleitorado da Iniciativa Liberal (não há aqui nenhuma insinuação, até porque o fenómeno regista-se nos estudos divulgados na SIC e no Expresso desde o início do partido de Rui Rocha). Apesar destes obstáculos, os inquéritos de opinião são ainda o melhor e mais fiável instrumento disponível para analisar a evolução do pensamento dos portugueses.
5. As sondagens permitem ainda dividir os inquiridos em determinadas categorias e relacionar as suas caraterísticas com as orientações políticas manifestadas, de modo a avaliar até que ponto estas são influenciadas por fatores como género, rendimentos, origem geográfica, habilitações académicas, etc. Alguns estudos são bastante ricos em pormenores, tornando admissível a possibilidade de sabermos qual é o partido preferido dos bissexuais sportinguistas com colesterol alto. Existe, contudo, um elemento particularmente valorizado neste momento entre os indivíduos cujas opiniões são registadas nos trabalhos de campo: a idade. Essa variável parece até influenciar outros dados abordados, entre eles as qualificações e a prática religiosa. Num breve resumo, os jovens (no mundo das sondagens, as pessoas entre os 18 e os 35 anos) apoiam em grande número a direita, em particular o Chega e a Iniciativa Liberal, enquanto os partidos de esquerda, sobretudo o PS, recolhem mais votos entre os eleitores maiores de 65 anos. Trata-se de um cisma geracional aparentemente mais vincado que em eleições anteriores e a partir do qual muito se poderia especular acerca da história recente e dos fenómenos socioculturais atuais. De momento, serve apenas para salientar o valor das sondagens no aprofundamento do estudo do fenómeno político e na sinalização aos partidos dos nichos de mercado onde, numa época de fragmentação da sociedade em bolhas quase estanques, necessitam de investir em força.
(Fotografia de António Cotrim/Lusa)